Lindo
Homem e Natureza
Por Vitor Velloso
Festival de Cinema de Paraty 2024
Alguns filmes possuem uma temática tão interessante e multifacetada que encontrar um recorte para trabalhá-la torna-se o maior desafio. O caso de “Lindo”, de Margarida Gramaxo, é justamente a grande dificuldade de conciliar sua trama com um desenvolvimento que seja bem estruturado, ou mesmo funcional. Existe uma grande introdução que se debruça nas particularidades sociais, econômicas e culturais da prática de caça às tartarugas, os costumes envolvidos e uma base dramática que é apresentada superficialmente para compreensão da perspectiva do protagonista que dá nome ao filme. O problema é que o longa não consegue lidar com essa base e direcionar para um fim claro, pelo contrário, parece se interessar mais pelas imagens do fundo do mar e uma certa experiência capaz de demonstrar a ligação do protagonista com aquele ambiente, tornando a narrativa cansativa e cíclica.
Mesmo sendo um documentário, a grande quantidade de inserções performáticas transformam “Lindo” em uma obra “híbrida”, mesmo que os limites da ficção e do documentário sejam tênues. O grande mérito do projeto é sua capacidade de introduzir o espectador nesse cotidiano repleto de uma cultura própria e regional, sem a necessidade de ampliar os horizontes didáticos para nos familiarizarmos com estes costumes. Nesse sentido, funciona muito bem enquanto uma etnografia desse espaço, ambientando o público de forma orgânica e fluida, mesmo que encontre dificuldade de atrelar novamente essa questão dramática e pessoal sobre a tartaruga. Esse recorte acaba funcionando mais como uma motivação inicial para a projeção, ou uma espécie de ponto de partida para adentrarmos nesse universo, mas nunca chega a ser elaborado até um ponto satisfatório. As próprias informações sobre questões ambientais, expostas de forma superficial em determinado momento da projeção, parecem ser secundárias durante a maior parte do tempo, sendo traçada com distanciamento e normalmente junto à exposição dos costumes e do cotidiano, o que explicita o verdadeiro ponto de interesse da obra. Essa falta de uma centralidade na montagem, faz o filme ser disperso na construção, perdendo parte de seu foco inicial e se estabelecendo como um belo registro cultural, sem um fim claro ou minimamente estabelecido para o espectador.
Essa experiência à deriva, pode ser o resultado que o projeto buscava, mas definitivamente é capaz de afastar parte do público. Quando “Lindo” se apoia na base histórica e religiosa para articular essa representação da realidade local, consegue desenvolver melhor parte de seus personagens e situações, pois através da oralidade vamos tendo acesso à alguns de seus incômodos, necessidades e frustrações com a prática da caça e preservação da tartaruga. Assim, na longa cena onde os homens debatem o passado e o futuro da prática, somos expostos aos diferentes pontos de vista e perspectiva sobre seus ofícios, sempre em referência ao que pode, ou não, acontecer com a vida de cada um. Contudo, até que possamos estar diante desse diálogo, é necessário um largo esforço para permanecer diante de um projeto que parece não se apegar a nenhuma de suas temáticas presentes e sim ao registro de forma total, criando esse entrave quanto ao recorte do próprio filme, visto de forma generalizada na montagem.
“Lindo” tem dificuldade para conseguir se encontrar ao longo da projeção, mas tem seus méritos na articulação de uma estética que se aproxima da etnografia sempre que possível. Desta forma, mesmo com um desenvolvimento problemático e arrastado, é capaz de cenas belíssimas e de provocar discussões extensas sobre os costumes, características regionais, cultura, religião, passado, futuro e presente, mesmo que acabe atravessando essas questões de forma tão caótica que não sabemos exatamente se era a proposta do projeto ou se o objeto de representação que permite algumas conclusões parciais.
Essa discussão do Homem e da Natureza, a partir de uma experiência tão particular quanto a do protagonista, acaba se tornando um dos entraves não resolvidos por um filme que pretendia ampliar tanto o espectro de suas reflexões.