Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado
A dança dos tubarões
Por Vitor Velloso
Netflix
Se em um primeiro momento de “Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado” o espectador é introduzido ao universo místico que revelou a personalidade, que é a base deste documentário. Um glamour espetaculoso, falas diretas, mãos ágeis, astrologia, maquiagens e figurinos excessivos etc.
Assim como um ilusionista, ou mágico, desnorteia o eixo da ação para que sejamos enganados, Walter Mercado é o produto final de uma indústria que busca em um público “novo”, aquilo que movimenta todo o sistema norte-americano, o capital. A partir da construção que o documentário assinado por Kareem Tabsch e Cristina Costantini realizam, é possível ver no protagonista, uma vítima da máquina midiática. De fazer dinheiro e sendo traída por seu empresário que se apossou de todos os direitos envolvendo o nome Walter Mercado. Existe também uma realidade que nos impõem, a ingenuidade de Walter diante da perversão capitalista. Uma tônica que é constantemente retomada durante a exibição do filme, que por vezes parece escorregar nas próprias ambições do protagonista.
Antes de tocarmos na obra em si, vamos afastar um pouco o olhar. Um jovem (com todos os desejos de um latino que sonha com o glamour da fama e dos EUA) que ascende à ator na TV de Porto Rico realizando diversas telenovelas, até que um dia aparece em rede nacional, improvisando, com um manto e falas desenfreadas sobre signos. O diretor da emissora pede a ele que repita a dose todos os dias, por quinze minutos. O sucesso é grande, após algum tempo, o programa ganha uma nova dimensão, um novo empresário, tudo é tão grande, tão glamouroso. Tão falso. Ainda que possamos culpar o novo empresário pela ascensão e queda de Walter, devemos pensar em alguns espectros do que significa essa história por completo.
Primeiramente em “Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado”, há uma explícita demonstração de como o imperialismo cultural funciona na prática midiática. Em segundo plano, aborda-se como a mídia norte-americana se utiliza de latinos, para lucrar com uma possibilidade e ganho de público. Em terceiro, como essa venda do exotismo e do “deslocado” da normatividade, é tóxica pela forma como se propagam as idéias através da publicidade.
Agora…. O que difere Walter Mercado e Edir Macedo? Claro que os padrões são diferentes, mas eles não vendem a esperança? A troco de audiência e dinheiro? Eles vendem o “amor” (aqui Edir Macedo já abandonou isso) e pregam uma universalidade desse amor. Walter Mercado pode ter sido vítima do capitalismo, mas foi uma grande engenheiro do mesmo, articulou como poucos na indústria aquilo que há de culturalmente entranhado na cultura latina, o Sebastianismo. Utilizou de si, ainda que reiterando não ser messias ou qualquer coisa do tipo, como centralismo de fé e esperança, um coach de espiritualidade, vendendo tudo.
Admite que jamais mentiu para seu público, mas não responde quanto ao que acredita. A hipocrisia do capitalismo se fundiu em síntese pragmática contra ele mesmo, “o dono do programa é quem arranja o dinheiro”, engolido pela máquina, ele se encastela em sua residência, onde o narciso floreia, espelhos, vitaminas, tratamento de luxo pelo seu “assistente” e todo o sonho que a indústria lhe “prometeu”, se cumpriu. O pacto com o capital possui suas consequências, ele se recusou a encará-las.
Essa leitura acima é feita a partir da construção do dogma midiático latino e da máquina capitalista, não porque o filme assume isso, pelo contrário, “Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado”, adicionado recentemente ao catálogo da Netflix, é panfletário ao assumir o lúdico de tudo aquilo, como a ingenuidade e o autocontrole de um homem foram corrompidos pelos “traidores”. A proposta é tão definidora dessa publicidade que saiu pela culatra, que os trechos utilizados a partir do material de arquivo são jogados e amalgamados com trechos de animação, unindo cartas de tarô com “capítulos” de sua vida, falas curtas dos lados da história, pois o mito solar da vez, é Walter Macedo. O que possui certa importância no mundo LGBTQI+ e deve ser ressaltado. O documentário ocupa parte de sua exibição para falar da importância do ícone para uma futura luta contra a homofobia e como ele teve que se manter “sacro” para que não houvesse apedrejamento na mídia.
“Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado” possui o mérito de conceber à geração um olhar desse fenômeno, mas é bastante maniqueísta ao construir a realidade em tornos dos fatos. A manipulação dos arquivos buscam corroborar com sua história, as entrevistas são tiradas de contexto para gerar uma conscientização maior dessa narrativa “correta” e nenhum tipo de provocação é feito durante toda a exibição, é a venda de um sonho que pode dar certo. É o coaching da biografia de Walter. Outro produto midiático, que agora busca sua reparação. O maior problema do filme é não acreditar naquilo que está falando, e dessa maneira, se iguala à tudo que vilaniza.