La Parle
A dilatação da angústia na espera
Por Paula Hong
É verão na Europa. Mais especificamente, na França. Você e seus amigos combinam de passar as férias juntos perto da praia. No carro, a caminho da casa onde ficarão hospedados, vocês trocam palavras que atestam certa superficialidade das preocupações naquele momento. Contudo, cada um de vocês carrega angústias e ansiedades revestidas pela expectativa de dilatação da espera que as férias proporcionam, prolongando ainda mais o que evitam. Nada disso é compartilhado mas, assim como umidade da brisa no ar, o dito não-dito paira entre vocês. A hóspede da casa, estrangeira, também carrega isso, além das saudades de casa. Todo em preto e branco, a obra “La Parle” é assinada por quatro cabeças — Fanny Ledoux-Boldini, Gabriela Boeri, Kevin Vanstaen e Simon Boulier, todos na direção. Além disso, eles dão vida aos quatro amigos mencionados anteriormente.
Filmado com o celular e despojado de demais aparatos técnicos complexos, “La Parle” parece aproveitar dessa proposta para trazer proximidade entre eles e o público, principalmente nos momentos de maior introspecção e isolamento por parte de cada um, como nas ligações diárias entre Gabriela e sua avó, ou quando vemos Kevin na sua atividade solitária de montar um filme que eles haviam terminado, ou quando, num plano aberto e conjunto, Fanny confessa a Simon seu medo de caranguejo pela associação que faz do animal com o símbolo astrológico de câncer porque Fanny teve, de fato, câncer.
Desde o começo do filme, as motivações e propostas não são claras. É um filme enxuto de tudo, o que exige um olhar redobrado e com maior atenção do espectador. Aos poucos, à medida que os amigos se entrosam, vamos conseguindo extrair aqui e ali as sensibilidades que os quatro diretores e amigos colocam em tela: a relação dos corpos com os espaços da costeira francesa, as paisagens, os papos supérfluos que encurtam a distância e criam vínculos, os momentos de interação, outros de maior introversão, ambos embutidos no intuito de evitar o inevitável, nas conversas sinceras e calorosas sobre temas gerais que nos acompanham em vida (amor, felicidade, esquecimento, para citar alguns). Aos poucos, fica claro que “La Parle” é encoberto por intenções difíceis de discernir à primeira vista, mas que gradualmente nos embala pelo seu ritmo, nos deixando curiosos para saber mais sobre o que se trata.
Por vezes, “La Parle” se perde. O fato de ter a colaboração de quatro pessoas que dividem as mesmas funções dificulta a assimilação da proposta e das histórias. No entanto, as de Gabriela e Fanny oferecem maior tangibilidade: a primeira, por estar longe de casa, tentando manter proximidade através de ligações diárias com a avó que parece estar sofrendo de Alzheimer, e as conversas repetidas que tem com ela reforçam a vontade de Gabriela de voltar para casa, apesar de estar gostando da adaptação na França; a segunda, por estar lidando com a possibilidade de saber que não está curada do câncer, o que a faz postergar a realização de um exame.
As intuições sensíveis de “La Parle” exploram caminhos que por vezes carecem de coerência, mas que ao mesmo tempo permitem ao quarteto elaborar uma quase-trama com um tempo de duração contado: o das férias. Uma hora ou outra, eles terão de enfrentar o que vêm adiando. Através do filme, o grupo parece explorar os seus lugares no mundo — tanto quanto pessoas como cineastas — frente às incertezas que os rodeiam. Nesse sentido, a obra tem um quê justificável de experimentação.
O interessante é a escolha pela cor azul, somente ao final do filme, no momento do exame da Fanny, simbolizando um final positivo: ela não tem câncer; Kevin diz ao seu pai que o ama pela primeira vez, mesmo sem ouvir de volta dele; e a avó de Gabriela recebe a carta que ela escreveu. As angústias, os medos, os afetos, as saudades, as incertezas que se amplificam na dilatação do tempo que estão sendo evitadas, podem ser interpretadas como as ondas que quebram na areia, mas a próxima onda jamais será como a primeira: a vida continua e as coisas acontecem, e uma hora elas vêm ao nosso encontro, por mais que as evitemos. É legal de acreditar que a resolução pessoal e positiva tenha algo a ver com o lugar: La Parle, segundo a tradição local, é uma onda capaz de revirar sentimentos e trazer resoluções.