Kursk: A Última Missão
Aquele do Submarino
Por Jorge Cruz
Lembra daquele filme do submarino, qual era o nome mesmo? Lembro, o nome dele é “Kursk: A Última Missão“. Os cinéfilos inveterados colocarão essa obra, dirigida por Thomas Vinterberg em uma lista que, no lado russo, conta com “Caçada ao Outubro Vermelho” (1990); “Maré Vermelha” (1995); e “K-19: The Widowmaker” (2002). É possível que, caso quem pergunte não se lembre se o submarino era russo ou alemão, se acrescente dentre as opções “U-571: A Batalha do Atlântico” (2000) e – esse sim original e minimamente prazeroso – “O Barco: Inferno em Alto Mar” (1981), de um Wolfgang Petersen prestes a iniciar uma carreira de filmografia heterogênea em Hollywood.
Essa produção francesa inova apenas por trazer Colin Firth falando outra língua. Agradará muito aqueles que gostam do cinema de ação, com certo embasamento histórico. Será inesquecível somente aos fãs de filme de submarino. O roteiro é de Robert Rodat, creditado apenas cinco vezes em longas-metragens para o cinema, dentre eles “O Resgate do Soldado Ryan” (1998) – pelo qual foi indicado ao Oscar; “O Patriota” (2000) e “Thor: Mundo Sombrio” (2012). Ele adapta livro de Robert Moore sobre a tragédia envolvendo o submarino russo Krusk em agosto de 2000, o primeiro construído após o término na União Soviética. Um caso que envolveu negligência do governo, tentativa de omissão de informações e negativa de ajuda internacional.
Nenhum desses fatores, porém, são materializados em “Kursk: A Última Missão“. Os únicos momentos mais atraentes da trama envolvem o prólogo, onde claramente os tripulantes do submarino estão insatisfeitos com as condições laborais e a remuneração recebida. Há uma pincelada de intercâmbio cultural quando os soldados assistem a uma apresentação do Metallica na televisão. O que já era pouco promissor se transforma em uma obra apenas correta, de qualidade técnica inquestionável e uma bonita trilha sonora em mais um trabalho incrível de Alexander Desplat. O design de produção se destaca pela acertada escolha de filmar em submarinos reais, ignorando a possibilidade de construção de cenários em boa parte do tempo.
Nada incomoda muito no longa-metragem. É possível que a tentativa de criar uma fábula parental ao estilo de Christopher Nolan (quase sempre) e James Gray (como o fez em “Ad Adstra: Rumo às Estrelas”) tenha efeito negativo a quem não se conecta emotivamente com a pseudo-metáfora. A reconstituição histórica e as imagens do fundo do mar ao final do primeiro terço de projeção prendem a atenção, só que o cárcere desesperançoso daquelas pessoas não se mantém quando a atmosfera claustrofóbica e angustiante perde espaço para o desespero das famílias e a proximidade da morte representadas em um sentimentalismo titaniquiaino. Ao afastar qualquer tentativa de politizar o debate sobre o destino dos tripulantes do submarino, restou ao texto de Rodat ser apenas o apanhado de inserções de cenas de ação em uma obra que desde o início quer emocionar a partir da figura da família. As tomadas de decisão das vítimas do acontecimento são exploradas apenas a favor dos corações a serem tocados na plateia. Quase como se todos aqueles sacrifícios fossem dilemas unilaterais, sem consequências posteriores, um sofrimento descartável – quando é flagrante a presença de culpados a serem apurados.
Notas de produção dão conta de que o produtor Luc Besson solicitou a retirada das menções a Vladimir Putin, à época da tragédia recém-empossado como Presidente da Rússia. A desculpa do veterano cineasta, que no mesmo ano do lançamento de “Kursk: A Última Missão” teve a coragem de colar seu nome ao quinto filme da franquia “Taxi“, é que o foco do filme deveria ser a missão de resgate. Portanto, não polemiza com nenhum dos lados daquele imbróglio, nem mesmo insiste na tese de que o auxílio de uma coalização ocidental e de Israel poderia trazer uma conclusão diferente para aquela crise.
Por fim, “Kurs: A Última Missão” precisa se debruçar nessa provocação sentimental forçada, a partir da ficção para que a incipiência de sua narrativa não fique à mostra. Um filme que não aceita que a linguagem cinematográfica mudou e que uma obra assim é tão envelhecida para uma parte da platéia que agradará somente àqueles que não perceberam que 1990 está tão distante de nós quanto 2050. Limitado em suas representações, não consegue mais se valer de uma estética e visual imponente, entendendo ser desnecessário ir além. Ao final, é um longa-metragem que será, sem dúvida, absorvido pelos nossos olhos, mas que provavelmente cairá na pasta de spam das nossas memórias.