Knives and Skin
Um barato que....
Por Vitor Velloso
“Knives and Skin” de Jennifer Reeder é um daqueles projetos que divide parte dos espectadores em sentimentos bastante opostos. Por um lado, se o espectador embarcar na viagem e o barato funcionar, a experiência será algo… singular. Caso contrário, é bem possível que a percepção seja de uma canalhice tremenda, onde nada funciona e tudo tenta ser “esquisitinho” o tempo todo.
A cena que abre o filme gera alguma curiosidade imediata, existem alguns elementos bizarros (incluindo os diálogos) que surgem na tela e o fantástico (ou paranormal) é introduzido como algo “normal” do universo da obra. Tudo é meio esquisito no início, a história é fragmentada, as cores estão estourando o tempo todo, os fades tentam remontar outras décadas mas são assumidamente digitais, cada conversa entre os personagens não parece possuir muito sentido e as resoluções internas de cada cena não oferecem nenhuma base dramática para continuarmos diante da tela. E esse jogo até que funciona nos primeiros minutos, já que o espectador não consegue se achar no meio de todos aqueles personagens. A primeira cena musical tem uma montagem divertida, que busca um humor nos cortes, a partir de quase uma afronta dramática de uma das personagens. Mas as coisas não funcionam assim por quase duas horas de projeção.
Facilmente o espectador perde o interesse em acompanhar “Knives and Skin” pois a fórmula da estranheza vai se esgotando relativamente rápido. Uma sequência deslocada ou outra até consegue puxar alguma vontade de retornar ao universo, mas tudo é um tanto cafona. A canalhice não está na desarticulação da narrativa para uma fragmentação tão brutal que é quase excessiva, está na insistência pela estranheza simplesmente por ser “bizarro”. Diferentemente de Lynch e Greenaway, por exemplo, essa construção não é feita a partir do deslocamento da realidade e espaços. Aqui, as coisas parecem normais, tudo vai fluindo normalmente, mas atitudes específicas tentam dar o tom dessa confusão generalizada. Se a ideia não fosse atravessada por uma obsessão de Reeder em querer interferir constantemente na imagem, até daria em alguma coisa, “Love Me Not” tem alguns momentos parecidos nesse sentido. Porém, a intenção de criar um caos de bizarrice que parte da direção, da imagem em si, dos diálogos, das atuações, interferência na cor e por aí vai, é interessante (ou pouco usual) o problema é que para isso funcionar, é necessário entender ou desarticular o que seria a “normalidade”.
E é aqui que as coisas desandam, pois o próprio jogo de representação e aparências vai se diluindo para dar lugar à uma sequência de planos que nos colocam diante de falsas situações, apelam para o sexo na tentativa de aproximar o espectador desses corpos, trabalha com a suspensão de verdade, algumas sobreposições com a luz estourando novamente, cenas musicais e uma procura incessante pela invasão desses corpos, como algo que precisa se manifestar, de maneira externa.
Em geral, “Knives and Skin” não vai muito além da ideia basilar de estranheza e trabalha com os estereótipos que formalizaram o gênero enquanto máquina industrial, recorrendo à velha mais-valia do que é esse estranho, não por acaso, acaba esbarrando em uma série de questões em que desafia a moral normativa para tentar ser “malvadinho”. Se houvesse mais rigor diante do que acredita estar provocando, o longa funcionaria de maneira menos caricata e canalha. Por fim, parece uma criança mimada pedindo atenção o tempo todo, fazendo isso a partir dessa permanência da estranheza. Mas os ciclos se desgastam muito rápido e o barato é tão fajuto quanto o aviso de Gaspar Noé para uma cena “chocante”. O estranho só pode ser assim concebido no terreno do real e os espaços de “Knives and Skin” são inócuos, desarticulados e projetados de palco para a falcatrua acontecer.