Kasa Branca
Cultura Suburbana
Por Vitor Velloso
Assistido durante o Festival do Rio 2024
Demonstrando um pouco da realidade do periférica do Rio de Janeiro, “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal, acompanha três jovens, Dé (Big Jaum), Martins (Ramon Francisco) e Adrianim (Adriano Francisco) ao longo dos últimos dias de vida de Almerinda (Teca Pereira), vó de Dé. Por fugir da paisagem tradicional de parte dos projetos cariocas e localizando a Chatuba como território desses personagens, o filme consegue um respiro que o diferencia dos demais filmes, ainda que seja bastante irregular em sua construção.
“Kasa Branca” consegue utilizar o drama de seus personagens para criar uma conexão com o público, sendo capaz de emocionar, ou criar identificação, com uma parcela da plateia através de situações similares que moradores do subúrbio carioca já experienciaram. O roteiro, de Luciano Vidigal, é eficiente para elaborar pequenas cenas funcionais em sua narrativa, desde a fila enorme e dificuldade em garantia de direitos junto ao Estado, e os caos nessas agências, até o carro da milícia circulando nas ruas. Porém, o longa tem dificuldade de transformar essas cenas em algo que faça a narrativa progredir para uma construção dos personagens e das situações apresentadas, pelo contrário, muitos desses segmentos parecem apenas cumprir sua função de exposição da realidade, não é exatamente algo que movimenta a trama ou a relação dos personagens. Por exemplo, após a ronda do carro da milícia e o aviso que Dé recebe na mesma cena, Martins e Adrianim discutem se o carro “estava mandado” ou não, demonstrando uma certa incompatibilidade com moradores da região, pois carro preto, todo insufilmado, é algo inquestionável. De toda forma, os problemas entre o roteiro e a montagem (André Sampaio) são notáveis em outros momentos, quando L7nnon aparece a primeira vez, Talita (Gi Fernandes) procura trocar olhares com o rapper, mas não há nenhuma menção de que eles se conhecem, em uma cena posterior isso parece uma informação trabalhada pelo longa, pois o rapper a chama para tocar em um show. Enfim, são incongruências no desenvolvimento que realmente tiram a concentração do espectador, já que são informações incompletas, fragmentadas e/ou isoladas.
Assim, o longa vai se tornando um grande recorte dramático, que apesar de funcionar momentaneamente, perde força quando a estrutura fica mais ampla e progride para sua resolução. O efeito é bastante fragilizante, pois além de fragmentar o drama, redimensiona seus personagens à uma simplicidade limitante, que impede o projeto de desenvolver as relações e particularidades dos protagonistas, tornando a experiência repleta de entraves. Por outro lado, a obra consegue abarcar uma série de particularidades características do subúrbio carioca, retomando paisagens cotidianas, como o trem, para se tornar um hábito frequente de Dé e sua avó, apenas para Almerinda observar. E essa habilidade de transformar o ócio em um ritual de um dia-a-dia, repleto de encontros e reencontros, reproduz uma clássica dinâmica da periferia carioca, e como depoimento pessoal, foi o suficiente para me recordar de quando morei por pouco tempo em São João de Meriti.
“Kasa Branca” é tão bem intencionado quanto ambicioso, dificultando seu pleno desenvolvimento para que seus personagens tenham uma vida mais orgânica e menos dependente de situações particulares estabelecidas como “checklist”. Isso se deve pela grande quantidade de temáticas que vão aparecendo com a progressão da projeção. Não por acaso, o número de personagens é elevado, mesmo que alguns possuam poucos minutos de tela, como Talita e o pai de Dé (Babu Santana). Contudo, deve ser mencionado o trabalho que a fotografia, assinada por Arthur Sherman, cumpre no filme, sendo capaz de criar um contraste muito forte entre as cenas prosaicas de dia e algumas tomadas noturnas, com uma luz que apesar de sua artificialidade, e justamente por ela, ajuda a construir uma dinâmica de oposição, lúdico e, por vezes, repleta de tensão sexual.