Curta Paranagua 2024

Kardec

Biografia kardecista em passo-a-passo

Por Fabricio Duque

Antes de traçar palavras analíticas sobre a transposição da vida e arte do professor francês Allan Kardec, o pai do Kardecismo, os espectadores precisam compreender e aceitar o tom de suas obras literárias. Há um predileção em simplificar o discurso, para que assim, a mensagem comporte-se de forma mais fácil em sua degustação popular, sem rebuscamentos e distanciamentos. É a direta linguagem humanizada, de existencialismo coloquial.

O longa-metragem “Kardec”, dirigido por Wagner de Assis (de “A Menina Índigo”, “Nosso Lar”, “A Cartomante”), respeita, acima de tudo, o propósito do resultado religioso. É didático, porque, além de retratar uma biografia (que já possui uma estrutura própria com suas típicas e definidoras características), almeja, sem interferir, a informação leiga a um público não apenas espírita.

Hypolite Leon Denizard Rivail, cético, quase um São Tomé, por só acreditar vendo e pela ciência, desestruturou os parâmetros e pensamentos condicionados, afetando a hegemonia da Igreja Católica (“mercadores da fé alheia”), que o via como “blasfêmia” e que pedia a “ira de Deus”. “Não vivemos mais a República, agora as cabeças são cortadas por regras e dogmas e não mais por guilhotinas”.

Allan Kardec (1804-1869) então, o decodificador “pontífice” da doutrina espírita, que sempre condensou razão e espiritualidade, rendeu-se aos sinais enviados do além, criando uma rede de atendentes (os médiuns, “telégrafos do além”), que pela “doação” do sexto sentido, recebiam mensagens e missões. “Não é o que vemos que comanda o mundo, o que não vemos é o que importa, ir muito mais além”, explica-se.

Tudo pelo famoso “espetáculo” das “mesas girantes e voantes com vidas próprias” (os “iluministas do teatro”, influenciadores às pessoas (“modismos burgueses”) que se “inspiravam em tempos difíceis”, quase como jogo Ouija). Reitera-se assim expressões de efeito para resumir traduções. “Livros não servem de nada se não ajudarem a pensar”, diz-se.

A narrativa de “Kardec” conduz-se pela ingênua sensação atmosférica, de despertar a sinestesia do susto e a tensão do momento, causando uma inferência a filmes como “Sexto Sentido”, de M. Night Shyamalan, e “Ghost – Do Outro Lado da Vida”, de Jerry Zucker. Seus planos mais rápidos e palatáveis assemelham-se a ordenação de uma novela, com seus núcleos.

Inspirado no livro “Kardec: A Biografia”, do jornalista Marcel Souto Maior, o filme é protagonizado pelo ator Leonardo Medeiros, que mesmo com a família espírita, repercutiu a vida cética (de acreditar que o fenômeno era “crendice e ignorância”) de seu biografado. “Fiquei a vida inteira esperando um sinal, talvez este filme seja um”, disse em uma entrevista.

“Kardec” conta sua biografia, com cenas em Paris e no Rio de Janeiro (cena na frente do Theatro Municipal). Suas convicções racionais como professor em um Liceu particular em Paris. “Religião e educação não se misturam”, expressa sua ideologia de liberdade existencial enquanto indivíduo social (de querer e ter coragem para mudar o mundo) contra a “catequese as escolas”.

O longa-metragem quer transpassar a ciência poética. A inocência perdida. O embasamento que há vida após a morte, que cada um é dotado de livre-arbítrio e que os espíritos usam os vivos como podem, algumas vezes em “sonambulismos perfeitos”. E também a que não se deve “virar as costas para a hipótese”.

“Kardec” é sobre aceitar a missão, sabendo de seu sacrifício de abrir mão da própria vida em detrimento da caridade e altruísmo. Sobre os mortos que falam para mudar a vida dos vivos. Tudo ajudado pelos amigos invisíveis espirituais, como o Espírito da Verdade. Sim, uma das mensagens é a de que a “verdade os libertará”. É sobre difundir o espiritismo, um “conhecimento universal” e um “tesouro codificado”.

Quanto mais assistimos ao filme, mais nós espectadores nos damos conta de que há uma semelhança com “Game of Thrones”, de poderes, consequências, vinganças e sofrimentos como forma de pagar punições, já que a Terra é um lugar de provas e expiações.

Sim, o público entende o tom e a cadência utilizada, mas sempre há um “se”. E se o diretor optasse por redesenhar o que já está padronizado e tentasse não pela ingenuidade amadora sentimental, mas pela firmeza de desconstruir para reconstruir. Não mais pela superficialidade. E sim pela complexidade aprofundada. Esse parágrafo é apenas um “se”. Uma lenha na fogueira das ideias da razão.

3 Nota do Crítico 5 1

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