Jexi: Um Celular sem Filtro
A Prisão de Todos Nós
Por Jorge Cruz
Desperdiçar boas premissas não é privilégio apenas do cinema de terror. A comédia “Jexi: Um Celular sem Filtro” chega aos cinemas brasileiros uma semana após “A Hora de sua Morte“. Apesar de seguir caminhos bem diferentes, o resultado é bem parecido: uma boa ideia, uma sacadinha, para brincar com a dependência pós-moderna dos aparelhos de telefone celular se valendo para entregar uma obra apenas esquecível.
Os diretores e roteiristas Jon Lucas e Scott Moore vivem do passado, tanto que até hoje seus filmes são vendidos com a chamada “dos mesmos roteiristas de “Se Beber, Não Case” (2010)”. No longa-metragem estrelado pelo carismático Adam Devine o argumento é apresentado de forma dinâmica, relembrando os prólogos eficientes do cinema hollywoodiano até o final da década de 1990. Em poucos minutos conhecemos o protagonista Phil e todo seu caminho da infância até a fase adulta e sua relação com os aparelhos de telefone móvel. A personagem faz parte da primeira geração que sofreu com a falta de tempo e consequente ausência dos pais, sempre muito ocupados com o trabalho. Se os boomers e a Geração X tiveram como babás a televisão, o final da Geração Y e toda a Z encontrou nesse objeto o grande substituto de família e amigos. Do jogo da cobrinha nos Nokias “tijolão” ao Tetris nos Motorolas flip.
“Jexi: Um Celular sem Filtro” adiciona a essa vida pregressa de Phil a angustiante ocupação profissional de conceber listas caça-cliques de um site parecido com o BuzzFeed. Uma ambientação rápida que foge do superficial, permitindo a Devine ser o “garoto bobo”, uma espécie de irmão mais velho de Freddie Prinze Jr. (e só quem brincava com o jogo da cobrinha vai se lembrar). De forma ligeira, o roteiro faz a devida comparação da dependência do aparelho celular com o vício em drogas e nos apresenta a personagem-título: uma espirituosa assistente virtual, que, claro, transformará a vida de Phil em um inferno.
Há momentos em que sabemos que a obra tomará o caminho do riso fácil. Faz isso em três cenas onde abandona a comédia situacional bem construída para nos confrontar com um humor rasteiro. A maioria das piadas são aquelas antecipadas pelo trailer (sim, o vício pelo cinema é tanto que já havia assistido ao trailer do longa-metragem). Por isso, as sequências que mais prendem a atenção são aquelas onde Jexi, assim como qualquer dispositivo que usa a inteligência artificial e os algoritmos produzidos por nós mesmos, condicionam o comportamento de Phil. Ela se torna uma antagonista justamente por fazer isso de maneira mais passivo-agressiva do que Alexia ou Siri. Essa abordagem faz com que o filme se sustente mais do que os quinze minutos de sua premissa – algo que a já mencionada produção de terror não consegue.
É possível que a condução da direção de Lucas e Moore, com a câmera na mão a todo o momento, incomode o espectador mais conservador. Técnica consagrada na série de televisão “Modern Family“, é outro ponto de destaque, criando uma sensação de voyeurismo contemporâneo. Há cenas inspiradas, como uma em que um grupo de ciclistas noturnos passeia por San Francisco, cidade norte-americana onde se passam as ações. Sem o aparelho celular por perto, a sensação de que o protagonista “vê o mundo” como há muito não fazia é representada sem verbalizações forçadas.
O que coloca “Jexi: Um Celular sem Filtro” em uma gaveta bem menos empolgante é que, no final das contas, o apego pela fórmula fácil da comédia romântica se impõe. Cate (Alexandra Shipp) faz as vezes de par romântico com uma personagem unidimensional, pouco desenvolvida. O riso fácil, como já mencionamos, descamba para o escatológico na meia hora final, um caminho que o trailer já entregava e que emburrece muito a obra. Aliás, fica a sensação de que o estúdio queria algo mais próximo do besteirol, da comédia adolescente de apelo sexual – já que é assim que parece ser vendido. Se pensarmos dessa maneira, o texto de Lucas e Moore é até mais amadurecido do que outros longas-metragens de sua autoria. Provável até que essa “evolução” seja resultado dos tempos mais críticos em relação à comédia. Talvez se o filme fosse lançado há dez anos suas escolhas seriam ainda piores.
“Jexi: Um Celular sem Filtro” conduz bem as ações, não exagera nas obviedades para nos levar a uma situação-limite. Pelo contrário, vai transmutando a relação de Phil com a tecnologia até o ponto dela mostrar sua vilania. Adam Devine tem o timing perfeito para esse tipo de produção, que se perde bastante quando chega justamente na situação de crise que estávamos esperando. Se torna tão menos interessante, que é possível que boa parte dos espectadores, passado pouco mais de uma hora de filme, tire o próprio celular do bolso para dar aquela conferida.