Ficha Técnica
Direção: Jafar Panahi, Mojtaba Mirtahmasb
Roteiro: Jafar Panahi
Elenco: Jafar Panahi
Fotografia: Mojtaba Mirtahmasb
Edição: Jafar Panahi
Produção: Jafar Panahi
Distribuidora: Imovision
Estúdio: Jafar Panahi Film Productions
Duração: 75 minutos
País: Irã
Ano: 2011
COTAÇÃO: MUITO BOM
A opinião
“Isto não é um Filme” comporta-se como uma resposta crítica do cineasta Jafar Panahi, ajudado pelo amigo também diretor de cinema Mojtaba Mirtahmasb, ao regime governamental do (sexto) presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, um dos mais polêmicos políticos do mundo contemporâneo, e extremamente religioso devido a sua ligação com o Líder Supremo Ali Khamenei, um xiita que considera Ali, o genro e primo do profeta Maomé, como o seu sucessor legítimo e consideram ilegítimos os três califas sunitas que assumiram a liderança da comunidade muçulmana após a morte de Maomé. Panahi desagradou às autoridades iranianas ao apoiar Mir Hussein Mussavi, o candidato oposicionista, na eleição presidencial de junho de 2009. Por isso, sua casa foi invadida, e a sua coleção de filmes, tachada de “obscena”, foi apreendida. O cineasta foi preso em março de 2010 e, durante seus 88 dias de detenção, fez greve de fome. Mais tarde foi impedido de comparecer ao Festival de Cinema de Veneza, em setembro. Na ocasião, várias personalidades do cinema – como Steven Spielberg e Juliette Binoche, além de mais onze cineastas – manifestaram apoio a ele. “Não compreendo a acusação de obscenidade dirigida contra clássicos da história do cinema, nem compreendo o crime do qual sou acusado”, declarou o cineasta iraniano à corte. No filme em questão, que por razões legais não pode ser considerado um filme, Jafar realiza um retrato íntimo e improvisado, mostrando o sofrimento dos realizadores de cinema, a partir da tentativa de narrar um de seus inúmeros roteiros censurados pelo governo. O diretor, de “O Balão Branco”, Camera de Ouro no Festival de Cannes de 1995, foi sentenciado a cumprir seis anos de detenção, além de ficar 20 anos distante da atividade cinematográfica, que inclui dirigir filmes, escrever roteiros, viajar ao exterior ou mesmo dar entrevistas.
A sentença havia sido anunciada em dezembro de 2010. Esta sentença significa ao cineasta a morte das ideias, dos questionamentos, da criatividade, da liberdade, porque o censura na sua essência, tomando como principio a percepção dele ser um formador de opinião extremamente importante. Jafar não desiste. Luta até o fim, manipulando até mesmo as regras da condenação. “Tudo bem, são vinte anos sem filmar. Mas nada diz sobre atuar e ler roteiros”, ele se defende como pode. A narrativa segue com o cineasta sentenciado “dirigindo” (literalmente) o amigo Mojtaba Mirtahmasb que está com a camera e que para todos os efeitos é o diretor no projeto. Jafar prepara o ambiente, o tornando cinematograficamente técnico, em planos longos, sem cortes, a fim de que possa interpretar o roteiro proibido de ser filmado. Esta cena infere ao filme teatral “Dogville”, de Lars Von Trier. Neste processo, a metalinguagem é recorrente porque retrata o cinema pela forma em si. Há fotos, fragmentos de filmes (do próprio diretor e de outros referenciais, como Charles Chaplin) e explicações de bastidores, exemplo do filme “O Espelho”, que se explicam os porquês. Vez ou outra, o protagonista questiona o que está fazendo no momento. “Se contar o filme para que filmá-lo?”, pergunta, retoricamente. Os momentos cotidianos, que o espectador passa com Jafar, servem para que se possa entender socialmente o universo o qual ele vive. Há um ar de desconfiança, de sinceridade vocabular, de determinismo pelo certo, de intenção modificadora pelo atual estágio e de, estranhamente, um mergulho no individualismo coletivo, que transpassa um sentimento vitimado aos sofrimentos apresentados. Assim, os moradores podem embasar e explicar a forma como agem. O interessante e curioso é observar os filmes que estão na videoteca do diretor. Um deles é “Enterrado Vivo”.
Jafar exibe, em sua televisão gigante de plasma, o seu filme “Ouro Carmim” e então busca referências de ângulos, tomadas, edição. É uma pequena aula de cinema, até porque a duração do filme encerra-se aos setenta e cinco minutos. Outro questionamento (sutil, sem apresentar ao espectador) é sobre o tipo de equipamento usado para se fazer um filme. “Dá pra fazer um filme com isso?”, diz-se apontado a uma camera digital (de celular) usada em determinadas cenas. “Quando se dirige atores, dão-se muitos detalhes, mas é o ator que acaba dirigindo você”, diz com o intuito de exemplificar, alfinetando também as autoridades, o real objetivo do filme que não pode ser filme. As cenas mostram o lagarto doméstico escondendo-se entre livros e arranhando o diretor; mostram o percurso com o funcionário (substituto do zelador) que retira o lixo (possibilidade de extrair percepções individualizadas sobre o mundo ao redor); a pesquisa no Google; a câmera filmando a câmera. “A política tenta limitar o cinema”, diz-se. O universo lá fora pode parecer perigoso e pouco amistoso, por ouvir barulhos que se parecem com tiros, explosões e sirenes de policia. Porém, é isto que o diretor deseja manipular, mas na verdade é a época da Festa dos Fogos de Ano Novo. É incrível como o contexto modifica a estrutura do ser e do parecer. No telefone, a conversa aborda a “revista aleatória” dos soldados. “É importante que a camera sempre fique ligada”, diz-se, utilizando um isqueiro como tripé. O diretor finaliza com a frase explicativa. “Este é um filme, uma tentativa dedicada aos cineastas iranianos”, diz estimulando a discussão sobre o tema e a perpetuação da luta pela liberdade de expressão. Concluindo, um filme que merece ser visto, porque serve de exemplo à censura que acontece em governos ditatoriais, como o do Irã. Recomendo. Como complemento ao filme, há a informação que Mojtaba Mirtahmasb teve seu passaporte confiscado quando tentava embarcar para Paris com a esposa e o filho, que seguiram viagem. Além disso, ele foi proibido de sair do país e teve seus pertences pessoais (computador, caderno de notas) também retidos pelas autoridades. Teve sua première mundial no Festival de Cannes 2011.
Os Diretores
Mojtaba Mirtahmasb nasceu em 1971 em Kerman, Irã. Estudou artes visuais e plásticas na Universidade de Arte de Teerã. Dirigiu os curtas Back Vocal (2002) e Off Beat (2003), nos quais questiona a atual situação da arte e da juventude no Irã. Participou em diversas funções em filmes de diretores iranianos como Samira Makhmalbaf (O Quadro Negro, 2000), Mohsen Makhmalbaf (A Caminho de Kandahar, 2001) e Siddiq Barmak (Osama, 2003). Em 2011, foi proibido de sair do país pelo governo iraniano ao tentar embarcar para apresentar Isso Não é um Filme na França e no Festival de Toronto.
Jafar Panahi nasceu em Minaeh, Azerbaijão, em 1960. Cidadão iraniano, estudou cinema na Universidade de Cinema e Televisão de Teerã. Recebeu o prêmio Caméra d’Or para novos diretores no Festival de Cannes por seu filme O Balão Branco (1995). Antes de optar pelo cinema, dirigiu curtas e médias- metragens para a TV iraniana, como The Second Look: Kish Island, The Friend e Examination Day. Foi assistente de direção de Abbas Kiarostami em Através das Oliveiras. Dirigiu também O Círculo, Leão de Ouro em Veneza, e O Espelho e Fora do Jogo.
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Nota do Crítico
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