Curta Paranagua 2024

Intruso

Antro(pologia) da Família Tradicional Brasileira

Por Jorge Cruz

Intruso

Uma balança da Justiça gigante em uma mesa de canto na sala nos revela que “Intruso” fará concessões à lógica para passar sensações ao espectador. A premissa simples se desenvolve muito bem em um filme acerca do antinaturalismo das relações familiares. O roteiro nos coloca na casa Joel (Genésio de Barros) e Virna (Lu Grimaldi), casal que recebe seus filhos, cunhados, noras e netos para uma temporada. A motivação é a chegada de um Intruso (Eriberto Leão), espécie de entidade que julgará as atitudes e comportamentos daquelas pessoas.

Há algumas regras que deixa aquela família incomunicável, como falta de sinal de telefone e proibição de sair de casa. Aos poucos recebemos a informação de que outros humanos (se não todos) receberam intrusos e que puderam escolher previamente o local onde passariam por essa espécie de auditoria moral. Um diálogo com o espectador fundamental para a apreciação da obra, já que muitos de nós escolheríamos da mesma forma a casa dos nossos pais e nos arrependeríamos profundamente disso. O mesmo expediente antropológico que vem gestando grandes filmes como “Midsommar: O Mal não Espera a Noite”, mas dessa vez a partir do terreno arenoso do ambiente familiar, aquele que muitos são obrigados a frequentar presos a convenções sociais cada vez mais injustificáveis.

A interpretação falseada, não-naturalista de todo o elenco é um ponto que poderá afastar do público de “Intruso” parte de sua mensagem alegórica, visto que a crítica tem passado por esse processo. São frases declamadas com um cuidado na correta e completa pronúncia das palavras, mas de maneira que isso não descambe para a caricatura. A ficha técnica revela que Karla Muga, intérprete de Ana – nora de Joel e Virna – cumpre a função de produtora de elenco. Reunindo nomes experientes da televisão brasileira, como Leão, Grimaldi, Danton Mello e Juliana Knust, a forma como os atores se expressam não merece ser vista como falta de qualidade técnica e sim um reflexo direto da hipocrisia da maioria das interações familiares. Um ambiente que geralmente vive de aparências, com civilidade e respeito fundados nas relações sanguíneas, ignorando profundas diferenças em prol da família.

Por isso o Intruso se deliciará com tanto julgamento moral a ser feito naquele grupo. A cena inicial, em que a situação é constrangedoramente colocada na sala de estar, é quebrada quando os “homens da família” insistem que devem todos comer, ignorando o risco de morte inafastável. A câmera do diretor (e roteirista) Paulo Fontenelle tem um trabalho interessante de abordagem. Uma tremedeira constante nas situações de tensão, de incômodo dos personagens – não necessariamente causado pelo thriller. É possível que na presença do antagonista não haja sequer movimento, dada a tranquilidade e certa paz que a interpretação de Eriberto Leão traz. Fica a torcida para que “Intrusos” seja o início de uma sequência de boas produções de Fontenelle, que também montou a obra. Um trabalho de guerrilha, que soube selecionar cirurgicamente nomes para compor o elenco e um trabalho de direção de arte que, mesmo não sendo complexo, passa as mensagens que precisam passar. Se há de sua parte uma tentativa de se testar, construindo novos elementos e linguagens para a continuidade de sua carreira, o longa-metragem se revele bastante eficiente sob essa ótica.

O texto aborda ótimas questões como a culpa sobre suas frustrações que os filhos colocam nos pais, que eles sabem que precisam ser controladas e não verbalizadas naquele “juízo final” que se apresenta. Porém, tratar de relações familiares é viver no limite, pisando em ovos a cada olhada de lado que um parente te dá. Mesmo recebendo gritos e humilhações, os pais tratam – e chamam – o filho de menino, de criança, denotando a condescendência que o descendente não lhe oferece. Nesses momentos de crise, de verdades sendo ditas, aquele não-naturalismo das interpretações se rompe, permitindo ao espectador confiar na boa técnica do elenco bem sintonizado.

Além disso, a inclusão de elementos da trama aos poucos faz com que o público transite por um terreno de ignorância que move de certa maneira nossa curiosidade. Os elementos de gênero são usados com parcimônia, como as sombras e reflexos no espelho. Essa levada quase minimalista talvez faça com que o longa-metragem não angarie tantos adeptos do terror psicológicos. Em uma época de grandes obras dessa natureza, é possível que “Intrusos” fica perdido no bombardeio de lançamentos – o que seria de se lamentar. Ao classificar a família tradicional brasileira como um núcleo habitado por individualismo e hipocrisia, se qualifica como mais um bom título do cinema nacional a chegar ao circuito em 2019.

 

 

3 Nota do Crítico 5 1

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