Curta Paranagua 2024

Horizonte

Díptico irregular

Por Pedro Sales

Festival de Cinema de Vassouras 2023

Horizonte

Quando morre Pedro, uma família se vê dividida em duas partes. De um lado, filho, nora e neta. Do outro, irmão e neto. Com um testamento minimamente estranho, estes são obrigados a dividirem o mesmo teto apesar dos eventuais desentendimentos. “Horizonte“, filme rodado em Aparecida de Goiânia e principal vencedor do Festival de Vassouras, explora, portanto, o drama familiar que se depreende de certo conflito pela herança. Pelo menos em um primeiro momento. Apesar disso, o longa de estreia de Rafael Calomeni nunca encontra o equilíbrio na pretensa direção naturalista e na tentativa de dramatizar as ações. Além dessa evidente incompatibilidade entre a condução pretendida e a encenação posta em tela, o filme é irregular. Divide-se como um díptico, em duas partes, que pouco dialogam no caráter dramático. A primeira metade, um drama familiar, a segunda, um romance pueril e ingênuo entre duas pessoas solitárias.

Rui (Raymundo Souza) morava com seu irmão, Pedro, e com seu sobrinho neto, Juarez Júnior. A morte de Pedro faz com que seu sobrinho, Juarez – o pai -, volte à casa como um dos herdeiros, relegando ao tio e ao próprio filho apenas o direito de morar no barracão dos fundos da casa. Mesmo com uma pretensa carga de imprevisibilidade de confronto em razão da herança, o filme jamais consegue de fato explorar todas as potencialidades do texto e seus possíveis conflitos. A única cena em que há de fato um confronto direto em detrimento de silêncios e afastamentos velados também não funciona. Isso se dá sobretudo pela incapacidade do diretor de naturalizar a ação. Os diálogos, no geral, soam artificiais e excessivamente expositivos durante toda rodagem, e as atuações funcionam em uma cadência mecânica.

A dificuldade de “Horizonte” em encontrar equilíbrio entre a abordagem naturalista em um tratamento de cor acinzentado com a dramaticidade inerente à situação pode ser observada desde o plano inicial. Em um plano-sequência de pouco mais de dez minutos, isto é, quando a cena é filmada em uma só tomada, os dramas contidos na morte e na discussão da herança jamais recebem o peso necessário. Além disso, em comparação com o restante do filme e a unidade estilística desenvolvida, a escolha de um plano longo parece apenas uma afetação formal, preciosismo vazio, uma vez que mesmo com o dinamismo visual, as imagens não evocam tais sentimentos e a espacialidade do quintal não é devidamente explorada. Portanto, há um desequilíbrio palpável no longa. De um lado, o cenário que remete ao naturalismo e por vezes a própria fotografia, com o uso de câmera na mão, ao passo que do outro há um texto engessado e uma direção com claras fragilidades, que poucas vezes alcança um grau de genuinidade satisfatório.

Se o drama familiar pouco tem de verdadeiro, a despeito das tentativas da direção, quando Rui, cansado da situação imposta a ele, procura outro lugar para morar e encontra Jandira (Ana Rosa), os sentimentos são construídos de forma mais verdadeira. Morando na Vila Horizonte, uma espécie de condomínio custeado por uma ONG para idosos abandonados e sem família, ele conhece sua vizinha. A relação entre os dois é desenvolvida por meio da música. Tocando a cada noite “Boneca Cobiçada”, de Milionário e José Rico, os dois se aproximam, na medida em que a rispidez dela deixa, e desenvolvem um laço sincero. Estas cenas são demarcadas por uma repetição constante. Por mais que a montagem encadeie essas noites de maneira a parecerem cenas redundantes, esse caráter evoca uma gradação na confiança entre os dois e uma certa paciência no romance. Totalmente condizente com o contraste que se dá entre a tradição e os costumes antigos dos dois e a vontade de aproveitar a vida na velhice.

Dessa forma, “Horizonte“, com essa irregularidade entre dois momentos que indubitavelmente bifurcam o filme em tons diferentes, encontra sua alma e sinceridade no romance idoso e pueril. As debilidades observáveis na direção, que são naturais para um primeiro trabalho atrás das câmeras, lidam diretamente com o roteiro de Dostoiewski Champangnatte e a forma como a transposição do texto se dá de maneira extremamente artificial em toda rodagem, até quando tenta evocar o naturalista e não só no dramático. Apesar disso, as atuações de Raymundo Souza, Alexandra Richter, Ana Rosa e Suely Franco não são tão impactadas por esse aspecto, como a de outros atores, e conseguem, talvez pela maior experiência, dialogar com o naturalismo da mise-en-scène. No geral, é um filme visivelmente irregular com alguns bons momentos e um trabalho de câmera interessante se não chamasse tanto a atenção para si. Talvez seja mais longo do que deveria nas muitas voltas que dá, repetitividade essa que esvazia o drama em um momento e torna-se fio condutor da relação dos personagens em outro.

2 Nota do Crítico 5 1

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