Grilada
Chamamentos
Por Fabricio Duque
“Grilada” (2013), de Davi Mello (de “As Viajantes“) é o que chamamos de filme sensorial, visto que acontece pela pausa no tempo da ação, e cuja ambiência etérea conduz campos psicológicos do se estar, que se comportam como sensações sobrenaturais do invisível. Mas na verdade toda essa liberdade em fazer a mente divagar e encontrar refúgio, ora na melancolia, ora na lembrança, ora na sôfrega memória, é o ponto vital e sobrevivente da personagem, interpretado com intensidade-contida-irretocável pela atriz Gilda Nomacce, que nos faz experimentar a espontaneidade da vida como ela é, mascarada da ilusão real da ficção.
Davi conta que foi seu primeiro contato com essa “força da natureza” em cena e fora dela, e complementa que foi “um trabalho interdisciplinar durante a faculdade; envolvia as disciplinas de roteiro, som e fotografia. A proposta era criar cenas curtas e utilizar o espaço da própria universidade”. A aceitação em tentar esconder a estranheza do sentir observando o barulho intermitente e cadenciado dos grilos, como se ouvisse vozes e chamamentos. Se estudarmos os grilos, então descobriremos que somente os machos produzem sons e o fazem para atrair as fêmeas para a reprodução. E que estudam mostram que sem esses insetos, os indicadores da biodiversidade em ecossistemas abertos caem. A grilada do filme, não se sabe se concreta ou se imaginária em loucura compartilhada, representa a esperança de tempos melhores. De conservação da qualidade de vida. Ou não.
Talvez seja um achismo extrapolado destas linhas analíticas. Talvez seja apenas uma casal em um instante comum de conversas antes de dormir, trocando causos acontecidos no dia e risos. “Grilada” é conduzido também pela fotografia. De contraluz. De penumbra natural e a luz artificial demais, criando assim um contraste e um paradoxo da imagem, sem a possibilidade de definição. Sim, pois é. Em apenas sete minutos de duração, entre interruptores e focos precisos, o filme ensaia, insinua, infere e deixa o espectador a ver navios.
E é essa a maestria particular de seu diretor. De elevar a experiência. De não limitar percepções. De invocar o desconhecido. De dizer: Olha, eu também não tenho respostas, porque a vida também não tem. A vida apenas é. Nós que tentamos a todo custo racionalizar em complexos padrões. Aqui, esse tempo entre o ser e não ser é o escolhido para captar e se desenvolver e a suposição de que “eles continuam chamando” (podendo ser os mortos, os vilões), enfim, tudo torna atemporal o de lá que continua ficando no lugar em que se encontra (sem sair e/ou voltar). Sim, não é uma crítica fácil de fazer e isso é ótimo. O melhor elogio, muito também por entregar tanto com tão pouco. O curta custou apenas 280 reais. O Noia 2014 – Festival Brasileiro de Cinema Universitário – premiou Gilda Nomacce como Melhor Atriz.