Curta Paranagua 2024

Great Freedom

Amor para todos, de graça e que ninguém seja injustiçado!

Por Ciro Araujo

Festival de Cannes 2021

Great Freedom

Existe algo inerente dentro do cinema alemão que define seu principal fluxo; “Great Freedom”, filme dirigido pelo cineasta Sebastian Meise, aplica o que pode ser chamado de crueza visual, tudo diante da temática central LGBTQIA+. Primeiros segundos se passam, abre-se a câmera para o registro dos banheiros, ou melhor, o “banheirão”, uma prática de época não tão distante (e que surpresa!) quando ser gay ou uma sexualidade diversa era categorizada e amputada como crime de perversão. O registro das cenas é, novamente, cru, sem impacto e fetichização de corpo. É assim que se inicia o que seria então um longa-metragem sobre sororidade masculina em plena prisão, algo que costura bastante a visão comunicativa tradicional do cinema.

Sebastian é fruto do passado da Alemanha. Não apenas as marcas das grandes guerras e da Fria, mas também da resistência cinematográfica e cultural gerada durante essa época. Werner Fassbinder é ponto chave para o geracional pós-Novo Cinema Alemão. Outros cineastas que acompanharam o movimento também chamam a atenção. Pois bem, a frieza clássica dos germânicos determinou o estilo de um cinema que queria se rebelar, mas estava impedido pelo caldeirão multicultural ali presente. Meise, quarenta anos depois, lê bem essa vontade e percebe como a representação necessária para a narrativa onde a masculinidade e “promiscuidade” é central. O natural, na narrativa ocidental contemporânea, é atravessar o corpo e ir direto no explícito. Eis que em “Great Freedom”, o cineasta envolve-se nos romances criados dentro da solidão que a cadeia é. O que seria teoricamente um cinto de castidade para os tais “pervertidos”, constrói uma casa para marginalizados se amarem. Como é possível, um carinho em lugar tão cinzento? O filme brilha magistralmente ao esquematizar a produção de imagens que foram pouco expostas.

O questionamento da estrutura heterossexual como inabalável ganha mais força através da obra. Na realidade, devemos esquecer do questionamento, já que em seu início o longa explicita a questão: “Que saudades do seu pênis.” São homens, do calibre clássico de machão, distantes de afeto e que percebem onde podem encontrar. Romances presentes e que são finalizados abruptamente. Na prisão, pode-se tudo, mas lá fora, na sociedade, sem essa “perversão”. Os anos se passam e essa é a engrenagem escondida dentro da arte de Sebastian Meise. As atuações certeiras de Franz Rogowski traduzem o que o personagem principal (Hans) é; Um voyeur, um observador, mas participativo. Ele abraça, ele acolhe quem foi esquecido diante do sistema carcerário alemão. O carinho que faltara, agora estava presente em companhia do protagonista.

O que acompanha o excelente trabalho narrativo (e comunicacional), é a texturização das imagens. A captura é caracterizada por um contraste forte de sombras e uso da noite, quando necessário. Os raros momentos de uma luz mais brilhante e clara, engrandece o rosto dos atores. No fundo, apenas o azul ou cinza da prisão, extraindo ao máximo a presença realmente das pessoas na fotografia. Ora, mas antes fosse o trabalho estupendo, porém tanto em ritmo quanto em atmosfera existem vales de estranheza que o filme expele. São três épocas distribuídas dentro dos cento e dezesseis minutos de filme: 1945, 1957 e, por fim 1968. Funcionam como três atos; 1945, o esquecimento carcerário da pós-guerra; 1957, uma desenvoltura maior dos sentimentos dos personagens e amadurecimento das relações graças à passagem de tempo e 1968, um ponto final com atores envelhecidos por maquiagem, esquecidos e amargurados. Um ambiente que lembra “O Irlandês”, de Scorsese. Contudo, a montagem trabalha em “vai e volta”, isto é, não-linear. O fraco trabalho artístico contribui para uma confusão mental enquanto torna maçante para uma obra que não é tão longa quanto parece.

Se Sebastian Meise soube dirigir no sentido do micro, nas emoções humanas, no toque, no fetichização de corpos e exposição deles, o pecado maior de “Great Freedom” está no ir além, atravessar a temática e encontrar-se no cinema. A crueza também vaza para o formato do longa-metragem, que não se encontra em sua essência: lento. Os acertos, todavia, são vários, especialmente em seu início histórico à lá polícia do amor. A película em dezesseis milímetros e essa mistura do voyeur e tabu para algo tão constante na civilização chega a ser hipócrita e risível, em uma espécie de prenúncio para o que estaria por vir no filme.

3 Nota do Crítico 5 1

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