Gravidade
O Apocalipse em versão brasileira
Por Clarissa Kuschnir
Assistido presencialmente na Mostra de Cinema de São Paulo 2025
Como é bom ver que o cinema brasileiro está cada vez mais diversificado. Como espectadora e cinéfila, eu sempre gostei do cinema de gênero que aborda o terror, o suspense, o fantástico e a ficção-cientifica. E é nessa pegada que o cineasta pernambucano Leo Tabosa resolveu arriscar na direção de seu primeiro longa-metragem “Gravidade”, que também assina o roteiro ao lado de Arthur Leite. Sim, arriscou e acertou de uma certa forma, (que explicarei durante o texto), pois o cinema de gênero tem crescido bastante nos últimos anos no Brasil, inclusive com mostras e festivais voltadas para estes filmes. E olha que Leo já circulou bem por importantes festivais no país com seus curtas (muitos inclusive premiados), com destaque para as ficções “Nova Iorque” (que concorreu ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em 2019), “Marie”, “Dinho”, e o mais recente “Cavalo Marinho”, além dos documentários “Baunilha” e “Turbarão” (e que por sinal vários desses curtas foram exibidos na Mostra Um Curta Por Dia, aqui no Vertentes do Cinema). São todos curtas muito diversificados e plurais, o que contrapõe com o que se vê na tela em “Gravidade”.
A história acontece praticamente quase toda dentro de um casarão: ambiente em que vive a cética Nina (Hermila Guedes), sua mãe viúva Sydia (Clarice Abujamra) que acha a filha uma fracassada e a doce e crente Joana (Marcélia Cartaxo), que trabalha para a família como empregada há muitos anos. E só aí nessa apresentação de elenco já dá para sentir força do elenco feminino. Sim, “Gravidade” é um filme de mulheres. Tudo gira em torno delas (fazendo inclusive que eu me lembrasse de “8 Mulheres”, de François Ozon, pelo contexto do local). E os homens são apenas citados, ou vistos pelas fotografias (remetendo também a “Nó”, de Laís Melo). Ao saberem das notícias que uma tempestade solar está chegando com um possível fim da vida terrena, essas mulheres acabam vivendo um verdadeiro surto coletivo, a começar pelo sumiço de Joana, seguido da visita misteriosa da estranha Lara (Danny Barbosa), uma mulher trans, convidada de Joana, que é muito mal-recebida por Nina, mas bem-vinda pela suão mãe.
Em meio a escuridão total, em que a luzes são apenas das velas, “Gravidade” começa a expor os sentimentos dessas personagens, como se ali fossem seus últimos momentos. E muitas coisas são reveladas. A tensão fica presente e os sustos são constantes. Sim, eu levei uns bons sustos durante a projeção, o que é ótimo para que o cinema de gênero funcione. A casa ali que poderia ser uma de proteção familiar, em meio ao caos lá de fora, passa a ser uma prisão domiciliar para aquelas mulheres. Tudo fica estranho. A comida apodrece. Na cozinha abre uma espécie de rachadura (como na pintura de um quadro pintado por Nina) semelhante há um portal iluminado, que vai se expandindo aos poucos e nos fazendo perguntar. O que será que vem dali? E a resposta vem aos poucos, sem deixar de fazer uma crítica política a uma sociedade perdida, egoísta e doente. Ou seja, será preciso fechar um ciclo para que surja um novo mundo? Assim como se diz no Apocalipse bíblico?
Tudo isso em “Gravidade” é contado de uma forma quase claustrofóbica, apesar dos belos cenários do casarão e da luz de velas sendo fotografadas com precisão cirúrgica por Petrus Cariry (que também fez a montagem do filme) que indiscutivelmente domina a técnica como ninguém. Outro ponto que chama a atenção neste longa-metragem é a sonoridade que prima pela qualidade. E como eu já disse, o elenco é a cereja do bolo, que se complementa com a ótima participação da veterana Helena Ignez no papel de uma entidade, inspirando a liberdade de quem se depara com ela, como Joana. Porém, como nem tudo é perfeito, em algumas partes dos diálogos eu senti um pouco mais performances caricaturais (talvez tenha sido proposital?), mas esse “plus menos” não compromete o todo (o resultado final).
Assisti “Gravidade” sem saber direito do que se tratava, apesar do título já dizer por si só, e então me deparei com uma obra que me trouxe um sentimento de angústia e apreensão em muitos momentos, e que faz a gente pensar na vida e nas relações afetivas. O longa-metragem em questão aqui foi todo rodado no Ceará, e estreou mundialmente na 35ª edição do Cine Ceará. Sua segunda exibição foi na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em que teve duas sessões e ainda deve circular por festivais antes de chegar ao circuito comercial em 2026 pela Sereia Filmes.


