Curta Paranagua 2024

Fio do Afeto

Heranças e seus significados

Por Vitor Velloso

Durante o Festival do Rio 2022

Fio do Afeto

Com um início de projeção que fala sobre a luta e o “ser mulher”, “Fio do Afeto”, de Bianca Lenti, é um documentário que procura mostrar as diferentes formas de subsistência de mulheres que estão à margem da sociedade, preenchendo lacunas deixadas pelo Estado. Quilombolas, indígenas, ribeirinhas, periféricas, que lutam contra o impacto da Covid-19 em suas vidas, participando de iniciativas e projetos que trabalham na confecção e doação de máscaras. 

Por um lado, o filme procura traçar algumas questões particulares com os depoimentos, alguns recortes mais poéticos e uma lente capaz de abarcar diversas regiões do Brasil. Zezé Motta toma as rédeas dessa representação, citando algumas palavras ao longo da projeção. Contudo, para além de seu intuito social explícito, o projeto conta com uma ampla gama de temáticas que vão sendo expostas, desde a violência da opressão na luta de classes, onde uma das personagens descreve o assassinato de seu marido pelas mãos de um pistoleiro, até a necessidade de compreender as heranças históricas, familiares e ancestrais que dão um novo sentido na luta por preservação de seus territórios e vidas. Assim, o artesanato, o cuidado com a terra e os afetos tornam-se pilares fundamentais para a história de cada uma dessas mulheres. Porém, “Fio de Afeto” procura demonstrar como essa luta não é individual, mas uma coletividade que se assemelha às suas práticas cotidianas. Existe uma fala específica de Heloísa Buarque de Hollanda, apresentada pelo filme como “feminista”, que procura criar uma analogia direta do crochê com essas redes de afetos. 

As práticas da costura recebem uma atenção especial pelo filme, não apenas por estar diretamente ligada ao eixo temático, mas a objetiva procura nos dar uma representação constante, e íntima, desses movimentos. O espírito constante é a possibilidade de resistência das repressões e ausências do Estado, seja a partir dessa coletividade, afetos ou formas de subsistência que estão fora das estruturas normalmente discutidas. Daí uma importante reflexão do projeto: o lugar da mulher na “família nuclear” e suas diferentes possibilidades de emancipação. Não por acaso, é citado as perspectivas que foram abertas a partir dos novos movimentos feministas, que não apenas possuem uma nova metodologia, como passaram a debater uma série de novas questões, como a pobreza menstrual. Esta última possui um segmento do documentário apenas para ela. 

O maior, talvez o único mais chamativo, problema de “Fio de Afeto” seja o ritmo, não porque a montagem não consegue articular sua temática em meio à depoimentos e personagens, mas por uma falta de flexibilidade na forma. O longa possui majoritariamente dois tipos de imagens, o registro das entrevistas com as mulheres e imagens de apoio de suas atividades e práticas de subsistência. Essa dinâmica se torna repetitiva em determinado momento da projeção, pois ainda que seu didatismo seja um dos grandes méritos, isso é alcançado por meio de uma zona de conforto que está cada vez mais presente nos documentários nacionais. Não por acaso, os já recorrentes planos frontais das personagens ao fim da projeção, estão aqui novamente. 

Em alguma medida, é interessante como Bianca Lenti não parte de uma estrutura idealista das trajetórias, sem precisar recorrer a conceitualizações excessivas ou ao trabalho epistemológico de cada prática. Sua preocupação está diretamente na exposição de como cada uma cumpre um papel fundamental para a manutenção de um grupo inteiro, com largas contribuições para a sociedade, ou seja, em última instância trata-se de uma abordagem materialista, que não analisa uma situação concreta, mas representa diretamente uma realidade particular, com algum grau de generalização, dessa resistência em um Brasil contemporâneo. 

“Fio de Afeto” acaba sendo fragilizado pelo seu ritmo, especialmente pela forma como essas imagens são conduzidas, em uma escala pouco criativa e que segue padronizações simplórias na representação da sociedade e na definição de debates. Contudo, é um filme que sensibiliza o espectador para como “as lutas”, não devem possuir um sentido abstrato e que a saída, por vezes, está sendo praticada por um grupo maior do que poderíamos ter contato. A função social aqui cumprida, é inegável. 

3 Nota do Crítico 5 1

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