Uma Análise-Balanço do Festival de Cannes 2017
Por Fabricio Duque
Direto do Festival de Cannes 2017
O Festival de Cannes deste ano teve aura de comemoração e homenagens pelos setenta anos de existência. Na festa, seus atores, atrizes, diretores e responsáveis passaram no tapete de gala. Até a vinheta de abertura mudou e os premiados ganharam nome nos degraus de suas escadas vermelhas, incluindo Glauber Rocha (Melhor Direção em 1969, por “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, mas foi sentido o nome de Alselmo Duarte, que dirigiu “O Pagador de Promessas”, vencendo a Palma de Ouro em 1962. A premiação de 1964 a 1974 foi chamada de Grand Prix, e por causa dos acontecimentos revolucionários de maio, a edição de 1968 foi cancelada, tendo François Truffaut e Jean-Luc Godard como “cabeças”.
A edição de 2017 realizou uma exposição “70 Anos” (e um livro oficial para colecionadores) com fotos em preto-e-branco e com citações do que já foi dito nas anteriores. Desde os irmãos Lumière a Woody Allen, passando por Madonna. Sim, Cannes Film Festival busca integrar cinefilia com glamour. É a Hollywood francesa. É o entretenimento com conteúdo. Político, social e de diversidade geográfica e sexual.
É puro, livre, passional, tanto que as pessoas empurram as outras apenas para conseguir o “melhor” lugar de suas existências por causa da excentricidade e idiossincrasia. Sim, é um lugar que respira cinema, que se imbui da sétima arte. Como por exemplo, para reiterar, podemos observar que em um cinema de mais de dois assentos, não há conversas paralelas e luz do celular. É a essência apaixonante pelos filmes.
A sala de imprensa é um ambiente único. Disputada e que emana amor, conflitos (saudáveis) sobre os filmes. Sim, Cannes é cinema, e cinema é Cannes, mesmo com todo seu entretenimento midiático. Este ano, a segurança estava redobrada. Muitas filas. E atrasos, que nunca ocorreram. Era como se todos os dias estivéssemos passando pelo controle do aeroporto. Houve sessão que atrasou quarenta minutos. Mas tudo bem. Cada filme foi uma viagem. Há uma onda de medo na Europa por conta dos ataques terrorista. E quando uma mochila é esquecida no Teatro Debussy, todo esquadrão anti-bombas entra em ação. Sim, era apenas uma mochila esquecida. Tudo pela proteção. Vai que, não é?
Outra polêmica foi sobre a presença da plataforma online Netflix, que teve dois filmes na competição oficial (“Okja” e “The Meyerowith Stories (New and Select)”), por causa de sua exibição ser apenas por streaming e não nos cinemas franceses. Os dois foram vaiados quando a logo Netflix apareceu na tela. E a primeira exibição de “Okja” chegou a parar. Logo se pensou se seria boicote? Protesto impedindo todos de assistir? Ou a culpa do Raul (que em toda sessão é mencionado aos berros)? Nada disso, a culpa foi do projecionista que apresentou fora de quadro.
“Qualquer filme que desejar competir a Palma de Ouro deverá ser primeiro distribuído nos cinemas franceses. Esta nova medida será aplicada a partir da edição de 2018 do Festival de Cannes”, escreveu a organização em um comunicado. O CEO da Netflix, Reed Hastings, não gostou nada da mudança, que afeta diretamente o serviço de streaming, e escreveu no Facebook: “O establishment está se juntando contra nós. Um ótimo filme que as salas de cinema não querem ver entrando na competição de Cannes”.
O presidente do júri oficial deste ano, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, entrou na discussão, tomou partido a favor dos filmes terem seu lugar na tela grande. “Eu pessoalmente não considero dar a Palma de Ouro a um filme que não será visto na tela grande do cinema”, disse.
Aqui em Cannes, há no público, majoritariamente jornalistas internacionais, uma pululante e latente passionalidade. Não há meio termo. É sempre ame ou odeie. Seus embasamentos são hiperbólicos (“o pior filme do festival”, “o melhor filme da história do cinema”, “a bomba dos últimos cinquenta anos” – e todos estes comentários após o segundo filme, faltando ainda dezessete).
Sim, Cannes é isso. Conversamos o tempo todo sobre cinema e sobre filmes. Expurgamos nossas críticas, lutamos por nossos favoritos e nos estimulamos a explicar minuciosamente, como se fossemos técnicos robóticos adjetivos, nossos pontos de vista. Não há como não amar. Mesmo com as regras do Festival que mudam todo santo dia.
E as homenagens não pararam por aqui. Teve Masterclass com o ator Clint Eastwood, com o diretor Afonso Cuarón (há quem goste de “Gravidade”) e o diretor-mestre grego Costa-Gavras (de “Z”, “Amém”, “O Capital”). Teve o novo e incrível filme de Abbas Kiarostami em “24 Frames”, que representa a essência de nosso olhar perante cenas apresentadas. E uma instalação cinematográfica “misteriosa” em um hangar “misterioso” (ninguém tinha a informação de onde e como chegar) do cineasta Alejandro González Iñárritu, em que colocava uma câmera no pé nos proporcionando uma experiência sensorial. Nós nos transformamos em imigrantes.
E em 11 dias e 46 filmes assistidos, mais a sessão competitiva de curtas-metragens, algumas perdas aconteceram, é lógico. Não por cansaço e sim por tempo incompatível, ainda que com apenas três horas dormidas por noite. Mas contudo sem deixar de almoçar e jantar com amigos, conhecendo novos lugares: a “melhor pizza” do La Pizza Cresci; o famoso Vésuvio e seu escargot (impossível não referenciar a “Uma Linda Mulher” com Julia Roberts) para comemorar o aniversário de um amigo; o sorvete viciante de Crème Brulée. Sim, seus momentos aumentam o prazer de se estar em Cannes.
E o Prêmio Vertentes do Cinema de Melhor Filme da competição empata nesta edição, escolhendo “NELYUBOV”, de Andrey Zvyagintsev (que tem uma das melhores cenas da história do cinema: a da criança no cercado) e “L’AMANT DOUBLE”, de François Ozon (todas as cenas). Nossa Menção Honrosa empata também: “LAS HIJAS DE ABRIL”, de Michel Franco e “24 FRAMES”, de Abbas Kiarostami. Confira abaixo todas as cotações de todos os filmes assistidos.
Os Filmes em Ordem de Cotação
***** “24 FRAMES”, de Abbas Kiarostami
***** “L’AMANT DOUBLE”, de François Ozon
***** “LAS HIJAS DE ABRIL”, de Michel Franco
***** “NELYUBOV”, de Andrey Zvyagintsev
***** “LERD”, de Mohammad Rasoulof
***** “THE SQUARE”, de Ruben Östlund
***** “UN BEAU SOLEIL INTÉRIEUR”, de Claire Denis
***** “KROTKAYA”, de Sergei Loznitsa
***** “PROMISED LAND”, de Eugene Jarecki
***** “YOU WERE NEVER REALLY HERE”, de Lyanne Ramsay
**** “120 BATTEMENTS PAR MINUTE”, de Robin Campillo
**** “POSOKI”, de Stephan Komandarev
**** “THE KILLING OF A SACRED DEER”, de Yorgos Lanthimos
**** “OKJA”, de Bong Joon Ho
**** “WESTERN”, de Valeska Crisebach
**** “BARBARA”, de Mathieu Amalric
**** “L’AMANT D’UN JOUR”, de Philippe Garrel
**** “GEU-HU”, de Hong Sang-soo
**** “TESNOTA”, de Kantemir Balagov
**** “REDOUBTABLE”, de Michel Hazanavicius
**** “LA CORDILLERA”, de Santiago Mitre
**** “LA NOVIA DEL DESIERTO”, de Cecilia Atán e Valeria Pivato
**** “SCAFFOLDING”, de Matan Yair
**** “D’APRÉS UNE HISTOIRE VRAIE”, de Roman Polanski
**** “COMO É CRUEL VIVER ASSIM”, de Julia Rezende
*** “LES FANTÔMES D’ISMAËL”, de Arnaud Desplechin (abertura fora de competição)
*** “WONDERSTRUCK”, de Todd Haynes
*** “CLAIRE’S CAMERA”, de Hong Sang-soo
*** “HAPPY END”, de Michael Haneke
*** “L’ATELIER”, de Laurent Cantet
*** “GABRIEL E A MONTANHA”, de Fellipe Gamarano Barbosa
*** “HIKARI”, de Naomi Kawase
*** “DOPO LA GUERRA”, de Annarita Zambrano
*** “NOS ANNÉES FOLLES”, de André Téchiné
*** “OUT”, de György Kristóf
** “JUPITER’S MOON”, de Kornél Mundruczó
** “THE MEYEROWITZ STORIES”, de Noah Baumbach
** “FORTUNATA”, de Sergio Castellitto
** “EN ATTENDANT LES HIRONDELLES”, de Karim Moussaqui
** “JEUNE FEMME”, de Léonor Serraille
** “RODIN”, de Jacques Doillon
** “JEANNETT L’ENFANCE DE JEANNE D’ARC”, de Bruno Dumont
** “THE BEGUILED”, de Sofia Coppola
** “WIND RIVER”, de Taylor Sheridan
* “GOOD TIME”, de Benny e Josh Safdie
* “AUS DEM NICHTS”, de Fatih Akin