Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes, Claudio Paiva, baseado no texto de Dias Gomes
Elenco: Marco Nanini, José Wilker, Caio Blat, Maria Flor, Matheus Nachtergaele, Zezé Polessa, Andréa Beltrão, Tonico Pereira, Drica Moraes, Bruno Garcia, Edmilson Barros
Fotografia: Dudu Miranda, Paulo Souza
Produção: Paula Lavigne
Distribuidora: Buena Vista Pictures
Estúdio: Natasha Filmes
Duração: 110 minutos
País: Brasil
Ano: 2010
COTAÇÃO: EXCELENTE
A opinião
Nada mais oportuno, no momento, já que é ano de eleições, do que é um filme sobre políticos do interior. O diretor e seu roteirista, baseando-se na adaptação do texto teatral de “Odorico, o bem amado, os mistérios do amor e da morte”, de Dias Gomes. Filmado na cidade de Marechal Deodoro (Alagoas), consegue-se captar a essência dos indivíduos de um lugarejo chamado Sucupira. Os seus tipos são clichês reais, extremamente verdadeiros na sua essência.
Odorico Paraguaçu (Marco Nanini) é o prefeito da cidade de Sucupira. Pilantra, ele tem uma plataforma de campanha: erguer um cemitério na cidade. O problema é que, após a construção, ninguém morre para inaugurar o local.
O tom abordado é de humor do nordeste, com suas palavras e gírias próprias, ora deturpando o coloquial com o culto, ora criando outras. Há deboche inocente, sem mascarar a maneira de dizer o que se quer. Diz-se e pronto. Há um lirismo local, que trabalha a rima e modifica a colocação de frases. É um escracho com sotaque interiorano.
O início: um filme de nordester (o faroeste do nordeste) sem querer fazer graça. Talvez por isso seja tão competente. Não há pretensão de ser. Apenas é. Explicação sobre Jânio Quadros renunciou no mesmo dia que o prefeito morreu. “Quem pode comer uma galinha de mil cruzeiros?”, um candidato pergunta. “Um galo”, um bêbado responde. Mesmo assim, há um tratamento para a piada velha. Não fica o óbvio. É repaginado. Há um exagero contido, nem pra mais, nem pra menos. Acertou-se o equilíbrio. “Polarização do mundo”, segue a explicação entre o resto do mundo e a cidade fictícia da história.
Com músicas de Caetano Veloso, Malu Magalhães, entre outras, infere-se pausas reflexivas de folhetim, lembrando novela. Positivo ou negativo? Não interfere tanto. A camera, com seus planos abertos e travellings (viagens), descreve a lugar.
O que se diz no filme, com seus diálogos e frases incríveis, é o ponto alto do longa, favorecendo a seus atores realizar um excelente trabalho de interpretação. Não há fracos ou fortes. Todos estão no mesmo nível. “Despido stripticamente de qualquer sentimento de glória”, diz-se, retirando gargalhadas do espectador. Outro ponto ganho. Ri-se muito com perspicácia. Não há apelação, e sim inteligência. “Odorico e Jânio não completarão seus mandatos até o fim”, dá-se a deixa para uma nova etapa da trama.
“Quando o coração bate forte, a memória fica fraca”, “Para que gastar cadeira se está faltando lugar no sofá”, “Promessas de eteceteras”, dizem-se frases fantásticas com a pureza de um analfabeto, que não se preocupa em ser direto, mas enfeitar o que sabe dizer. Há o timming certo de perguntas e respostas. Conversas certeiras. “O povo sabe o que é certo ou errado?” Ou “Claro que existe. Eu que inventei”, diz-se.
“Moral e política são coisas diferentes que se completam”, define-se o objetivo que o filme quer alcançar. Criticar a forma como se governa. Busca-se a política pela política, tendo o povo como figurante de alguém com um poder maior. Manipulam-se eleitores pelos desejos mais enraizados. “Pra que luz, pra que água, a cidade precisa de um cemitério”, diz-se com o máximo do oportunismo. “Sou de uma palavra só, não sou bi-vocabular”, exagera-se. “A senhora está bêbada, qualquer beijo é obsceno”. Odorico acredita na sua filha carola, que estuda em colégio de freiras. Mas a menina não é o que pensa e revira a sua vida.
“A única diversão que o rico não tirou do pobre é fazer menino”, defende-se, de novo, fazendo gargalhar o espectador. “O amor é tão bananeira. Dá um cacho só”, diz-se. “Sem eleição, não há democracia”, sobre o caixa dois da campanha e sobre super faturamento.
Há músicas dramáticas e bregas. Há cores nostálgicas. Há maridos que fizeram voto de castidade. Há fotonovelas. Há cangaceiros. Há ‘debochistas’. Mas não há ninguém que morra na cidade, para que o prefeito possa inaugurar a nova obra. “Recesso necrofílico”, diz. Entre palavras de favoritismo, heroísmo, sacrificismo, “bifacial: um indivíduo de duas caras’, o filme conta a sua história e bem. “Em política não há certezas”, pensa-se falando. “Em briga de políticos, perderam os dois”, sobre alianças e jogadas políticas.
Há a preocupação com o que o outro acha. “Já caiu na boca do povo”, diz-se. A história segue a explicação das diretas já e reconquista da democracia. A trama vai acontecendo, nem certo ou errado, utilizando o acaso como aliado, tão conhecido do povo do local. E finalmente o cemitério recebe seu ‘inquilino’. Vale muito a pena ser visto. É fantástico. Filme de abertura do Cine PE 2010. Recomendo. O personagem Odorico Paraguaçu foi imortalizado por Paulo Gracindo.
Guel Arraes (nome artístico de Miguel Arraes de Alencar Filho; Recife, 12 de dezembro de 1953) é um cineasta e diretor de televisão brasileiro. Filho do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, viveu exilado na Argélia com sua família no período da ditadura militar.
Filmografia
1986 – 1988 Armação Ilimitada (TV)
1988 – TV Pirata (TV)
1991 – Doris para Maiores
2000 – O Auto da Compadecida
2001 – Caramuru – A Invenção do Brasil
2003 – Lisbela e o Prisioneiro
2008 – Romance
2010 – O Bem Amado – O Filme