Espumas ao Vento
Fora do eixo, longe do filme
Por Ciro Araujo
Durante o Festival de Brasília de 2022
Que coisa estranha a narrativa tradicional e fantasiosa na 55ª edição do Festival de Brasília. Um evento que recebeu com tanta força o documentário e docudrama, parece até desconexo a inserção de algo mais virado para outro lado. “Espumas ao Vento”, obra de Taciano Valério, é uma fábula que se esvai de todo seu sentido quando procura se espalhar para a sensibilidade do espectador. Essa descrição pode parecer estranha, mas parece apropriada para um filme no qual tenta encontrar espaços através de mitos, personagens e tradições nordestinas, com ênfase na pernambucana.
O diretor Taciano Valério, que é de Caruaru, Pernambuco, afirma categoricamente: é um filme realizado na cidade, fora do eixo do eixo, isto é: fora de São Paulo e Rio, fora de Recife. Taciano realizou antes uma espécie de trilogia em preto e branco. Agora, a estética se desampara da tendência, para implementar um colorido longa que acredita e muito nesses clássicos personagens. Ariano Suassuna representou perfeitamente a ideia de coronelismo e da religião e como afetam esses cidadãos carismáticos.
O panorama anterior foi necessário para compreender o que está em jogo em “Espumas ao Vento”. Um Brasil, agora evangélico, cria mecanismos para essa hierarquia estranha e necessidade de cada vez mais evangelizar o número máximo da população. Em um interior no qual seus habitantes possuem a emoção centralizada em seus corpos, o ato de criar medo é uma tática já velha, mas efetiva. Assim, “caciques” do protestantismo (leiam-se pastores), sabem se aproveitar da estratégia. Essa ideia de Taciano representa uma originalidade, que mostra em seu longa uma das vertentes produzidas em sua obra. Paralelamente, há o desenvolver dramático de uma família de artistas. Um sonolento começo entre produzir e ser feliz com arte, apesar do baixíssimo financiamento público. Aqui há a pincelada clássica histórica: críticas da falta de editais e descaso com a tradição regionalista. Nada além de apenas uma tentativa de desferir golpes, apesar de que parece tão sem sucesso.
O insucesso do longa-metragem de potencializar quaisquer ideias sugeridas se deve à sua montagem. Narrativamente é um desastre. Pode até soar como exagero, como algo pesado para se caracterizar. Mas a triste realidade é que acima de tudo, “Espumas ao Vento” poderia se aproveitar de uma reorganização de sua montagem. As linhas lógicas, apesar de múltiplas vezes já quebradas no cinema, aqui elas parecem ser necessárias. Mas não são seguidas de uma forma que crie fluxo, nem ao menos potência. De nada adianta existir um interesse pelo arquétipo hierárquico criado nesse enraizamento do coronelismo se não existe um trabalho constante para que se justifique isso. As setpieces ali trabalhadas são inconstantes, que parecem percorrer um cinema que não pensou em sua conjuntura.
De repente, a obra se explode. Ela passa a ser anárquica, mas não antes de um drama que perdeu sua cor. Seus pontos de virada no roteiro transformam os gêneros não de uma forma fluida, mas quebradas. Fluxo é realmente necessário para esse longa-metragem de Taciano. Nem ao menos a presença ilustre de Tavinho Teixeira é capaz de empatizar o espectador, que observa uma maçaroca audiovisual, incapaz de se soltar ou inclusive se conter em determinados momentos. Observamos um anarquismo entre o niilismo de uma das protagonistas. Essas ações do filme esvaem o roteiro, que perde até mesmo o que outrora conseguira conquistar com a sátira e tom realista. Essa dualidade chapa os personagens, destrói uma narrativa cansada. Como avisado, é necessária uma total reorganização da montagem antes de tudo, para este possuir algum direcionamento.
Essa divisão de “Espumas ao Vento” na realidade expõe a obra para o que talvez seja falta de direcionamento. Qual característica assumir? Naturalidade, ou arquétipos? A proposta de tentar quebrar essa divisão que o cinema naturalmente fez, ainda mais o brasileiro – que o contemporâneo tende ao primeiro – não funciona. É um teste que poderia ser previamente observado por Taciano Valério. Como é possível ler, todas as críticas acabam fugindo da temática sobre a cultura e tradição. Elas se rebaixam, perifericamente, para bem longe. Ao fim da obra, um filme quase de ação e aventura, com toques de vingança. Armas se tornam centrais, enquanto a justiça que é feita através das mãos dos protagonistas parece claras críticas do cineasta: charlatanismo não tem vez. Mas o que é esse charlatanismo, quando está todo perdido em um filme ameno?