Especial Tudo Sobre Júlia Murat

Histórias Que Só Existem Quando Lembradas

Especial Tudo Sobre Júlia Murat

As Histórias que Só Existem Quando Lembradas

Por João Lanari Bo

O título do primeiro longa-metragem de Júlia Murat, “Histórias que Só Existem Quando Lembradas” (2011), pode funcionar também como chave de leitura para sua curta – porém intensa – obra cinematográfica. Mas, atenção: os filmes ficcionais que realizou, “Pendular” (2017) e “Regra 34” (2022), são extremamente diversos, e mais diversos ainda se comparados à produção de 2011. O traço comum entre eles talvez seja a descrição do método embutida no título, que informa sobre o estatuto ontológico das narrativas, que só existem quando lembradas

Júlia dirigiu ainda dois documentários de longa-metragem, “Operações de garantia da lei e da ordem” (2017), e “Dia dos Pais” (2008). Sobre “Histórias que Só Existem Quando Lembradas”, o crítico A.O. Scott (New York Times) escreveu:

O drama em “Histórias…” é sutil, às vezes quase invisível, mas se move com segurança silenciosa em direção a uma conclusão surpreendente. Sua reviravolta inteligente no final adiciona uma sacudida gratificante do clima de estranhamento para uma meditação encantadora e agridoce sobre a passagem do tempo, e o poder ambíguo das imagens para capturar um mundo mais antigo no momento de seu desaparecimento.

A diretora percorreu cidades do Vale do Paraíba por dois meses, fazendo entrevistas com moradores locais. Foram 100 horas de material gravado e mais de 100 páginas de diálogos transcritos, que serviram de inspiração para os diálogos na cidade fictícia de Jotuomba. O filme teve uma exitosa carreira internacional, a exemplo dos longas que fez a seguir. 

Pendular”, completado seis anos depois, é uma virada radical: um escultor e sua companheira dançarina dividem com uma única tira de fita adesiva o amplo loft de um velho prédio industrial. São dois artistas: à medida que o equilíbrio entre apoio mútuo e competição acaba, os ressentimentos aumentam e as tensões antes reprimidas explodem em agressão e sexualidade nua e crua.

Segundo escreveu Fabrício Duque aqui mesmo no Vertentes, Pendular” é

…muito mais que um filme de dança contemporânea e ou de artes plásticas. É a construção de uma realidade afetiva de aceitar condescendente o outro em suas idiossincrasias, vontades, liberdades, essências, particularidades, extremismos, memórias e quereres. Não é submissão, e sim uma adaptação mútua, codependente e coparticipativa. 

E “Regra 34”, um trabalho ainda mais ousado e instigante, vencedor do Leopardo de Ouro do Festival de Locarno, em 2022. Sobre o filme, Michel Gutwilen, do Plano Crítico, escreveu:

… as contradições instigantes de “Regra 34” passam a surgir quando Simone pratica a violência contra si dentro do contexto sexual. Sua situação se mostra como uma espécie de Síndrome de Estocolmo estrutural em que, para deixar de ser agente passiva da violência estrutural da sociedade, o mecanismo que seu cérebro cria para escapar dela e se colocar no controle é se ela mesmo for agente ativa contra si mesma, ressignificando a opressão da violência em um tipo de prazer misturado com liberdade do empoderamento.

Julia Murat

Pix Vertentes do Cinema

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