Curta Paranagua 2024

Era uma vez na Venezuela

O sopro veio

Por Vitor Velloso

Durante o Cine Ceará 2020

Era uma vez na Venezuela

“Era uma vez na Venezuela” de Anabel Rodríguez Ríos é, até o momento, o melhor filme exibido no Cine Ceará. O documentário consegue uma análise crítica da realidade política da Venezuela a partir de um recorte regionalista, sem tornar-se alienante com questões totalizantes para a real compreensão da divisão ideológica interna no país latino-americano. E ainda que caminhe nesta seara do debate em torno dessa compreensão da realidade, não se permite alienar a empatia por determinados personagens.

Tal atitude reforça o distanciamento com os demais projetos reacionários que vemos constantemente sendo lançados no mercado internacional, buscando uma perspectiva “em cima do muro” ou que “deturpe a realidade” em favor das forças opositoras e contrarrevolucionárias. Desta maneira, o longa consegue abrir um leque de discussões políticas internas, sem recorrer à processos internacionalizantes na forma cinematográfica, configurando uma particularidade necessária para a condução da obra. O ritmo não é prejudicado pela negação da fórmula estrangeira, pelo contrário, consegue articular a favor de um dinamismo e abraçar uma realidade totalizante através dessa secção.

Momento específicos de “Era uma vez na Venezuela” podem confundir o próprio posicionamento da obra diante dessa dicotomia política, mas o campo não se abre para discussões que fujam a própria estrutura desejada pelo documentário, pois o mesmo se nega a compactuar com forças reacionárias durante sua construção. A atitude revela muito do próprio segmento do documentário latino-americano, amplamente mais politizado que as ficções. Onde a análise não é atravessada pelas imensas parábolas projecionistas e criacionistas que vêm tomando conta de maneira latente na produção (algo já dito aqui no site).

Assim, quando o longa investe esforços em um retrato privado de determinados personagens, não o faz por fetiche, mas para que se compreenda o sentimento necessário em torno da política que assombra a América Latina e visa derrubar uma ação popular. Se tais forças estão constantemente no cio, a América Latina mantém seu grau de dependência até nas resoluções internas e regionais. Não por acaso, a Venezuela se tornou alvo de investidas reacionárias da direita latino-americana, no Brasil e em todo seu território. É uma perpetuação da gangrena superficial de uma compreensão de realidade verdadeiramente complexa. Uma falta de análise crítica, não necessariamente materialista, sempre nos levará ao caminho contrarrevolucionário e infértil.

Assim, a forma cinematográfica aqui, assume um tom de proximidade com seus personagens, mas sem deixar de lado que o encaminhamento nos levará à representação de um cenário macro em uma escala micro. Esse movimento dialético reflete diretamente como não existe uma proposição de conceituação “natural” e sim de uma estrutura que desencadeia através das estruturas políticas e econômicas, em uma escala social, ainda que seccionada do todo. A linguagem que enquadra as moradias e as águas que cercam e permitem a permanência da população, e seu possível desaparecimento, é um problema de ordem pública, que encontra aqui resistência a partir das eleições que se aproximam, refletindo não apenas uma união de parte da sociedade, como sua divisão a partir de medidas possíveis para a mudança.

As heranças dos governos anteriores é vista como uma relativização da própria realidade, não como quem ataca e apenas aponta o dedo, mas uma verdadeira continuidade que culmina em uma espécie de nostalgia Chavizta, algo absolutamente compreensível e que vemos em parte das lutas progressistas brasileiras, com outra alcunha.

Por conta de sua articulação política e formal, “Era uma vez na Venezuela” consegue se destacar por conciliar dois espectros distintos de uma mesma Venezuela, sem reformismos ou revisionismo, apenas uma relação particularmente dialética, através da montagem e de sua estrutura, de uma realidade que merece a objetiva apontada para si, pois mentiras e discursos superficiais, já estamos tomados. Quem sabe, a partir do documentário a programação do Cine Ceará ganhe uma vida a mais em torno de como o cinema latino-americano está sendo representado ultimamente nos grandes festivais e cinema brasileiros. Seguimos acreditando ser possível que representações tacanhas estejam encaminhando seu esgotamento no mercado cinematográfico, ao menos o filme de Anabel nos dá um sopro de esperança neste limbo vicioso que pátria grande sempre esteve envolvida com suas dependências.

4 Nota do Crítico 5 1

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