O DJ Jorge Lz (Luiz com ‘z’) é um apaixonado por boa música. Ele experimenta estilos nos intervalos da Maratona do Odeon (aquela que dura uma madrugada inteira e é toda primeira sexta-feira de cada mês).
Ele aceitou conceder uma entrevista ao VERTENTES DO CINEMA sobre música, cinema e bolos. O curioso que o canal TV Brasil também preparava a sua entrevista. Madrugada longa.
VERTENTES DO CINEMA: Como você se tornou dj em uma festa de cinema?
DJ JORGE LZ: Na verdade não tive uma idéia de me tornar dj em uma festa de cinema, mas é curioso porque eu virei dj por causa do cinema. Uma amiga estava fazendo um curta-metragem e faltava grana para finalizar o projeto. Ela sabia que eu gostava muito de música e que tinha muita coisa em casa, então pediu que eu fizesse seis horas de música em uma fita cassete, na época, para uma festa que iria angariar verba para o filme. E deu tão certo que comecei a gostar de fazer festas.
Já a maratona, a idéia de se ter um dj, começou na Copa do Mundo de 2002. Os jogos passavam aqui no Odeon e sempre acoplado ao jogo havia uma festa antes e as vezes depois. Foi tão interessante que o Estação resolveu reviver as maratonas, que fazia no Estação Botafogo, aqui no Odeon. Então forneci a idéia que se podia fazer como na Copa, sendo musica ambiente, o tempo inteiro. E ficou: no intervalo um lounge e após os filmes uma coisa mais animada para as pessoas dançarem. Não foi muito pensado e elaborado, acabou acontecendo.
VC: Você toca músicas de cinema em seu playlist?
DJ: Eu acabo eventualmente tocando alguma coisa de cinema. Não aquelas trilhas compostas basicamente para cinema. Raramente toco uma coisa dessas. O clima na maratona é mais para cima e não introspectivo. Mas vira e mexe tem coisa de cinema no repertório. Música é relacionada com imagem, então é difícil não ter a referencia do cinema no que eu to fazendo. Mas há várias trilhas legais que dá para usar, recentemente a do filme ‘500 dias com ela’ é muito interesante, com várias musicas ótimas para festas. Já no lounge toco Burt Bacharach, Nino Rota (trilhas de Frederico Fellini). Dá pra brincar muito com isso.
VC: Como é a sua relação com cinema?
DJ: Eu comecei a trabalhar com cinema, porque era freqüentador do Estação Botafogo. Vivia lá. Eu ia sem saber a programação. Chegando lá sempre tinha um filme para assistir. Como conseqüência fui conhecendo as pessoas do Estação e acabei namorando uma pessoa que trabalhava lá. O Estação estava em processo de mudança e resolveu arrendar a livraria. Coordenei a livraria durante. Foi legal, porque sendo um freqüentador , assistia muito filme e participava de todo processo, desde conhecer a programação antes para saber os livros que eu podia pedir para ver se tinha relação. A livraria era uma referencia de cinema. Tinha muita coisa de cinema. De tanto entrar no cinema, acabei virando um operário do cinema (risos).
VC: Seu playlist tem ligação com a exibição do filme. Se o filme é alegrinho, você toca algo animado, mas se o filme é depressivo, impera a musica de ‘cortar pulso’ na pista de dança?
DJ: Tem uma relação, mas não tão direta. Em alguns casos pesco alguns elementos do filme. Mas pelo contrário, se o filme é triste, faço com que o astral suba. Por exemplo, o filme ‘Control’, no intervalo músicas com o Joy Division, ou parecido como She Wants Revenge, Interpol e o próprio New Order. Não coloco uma camisa de força no que está acontecendo dentro da sala. Até porque com a mudança de faixa etária isso não é tão necessário. Eu lembro que teve um uma maratona do ‘Austin Powers’ com o repertorio focado naquele som psicodélico dos anos 60. Era outra faixa etária. Agora eles estão super animados dentro e fora da sessão, independente do filme ser ou não animado. Se eu faço um repertorio muito ‘deprê’, dá sono nas pessoas e elas acabam não conseguindo ver os filmes. Risos.
VC: O que atribui a mudança de faixa etária?
DJ: É difícil saber a razão. A disposição para ficar acordado a noite inteira vendo filme pode ser uma. As pessoas mais novas têm mais disposição. A questão da violência e da vinda de um pessoal mais novo, criando algazarra nas sessões, também fez com que as pessoas mais velhas tirassem o pé. Hoje é muito fácil ter uma tv a cabo com muitos canais de filmes e pay-per-view. E as locadoras com lançamentos simultâneos ao cinema fazem com que as pessoas fiquem casa. Num conforto maior e com uma tecnologia melhor. Na década de 80 não era assim. A maratona do Estação dos anos 80 era muito diferente Tem o Festival do Rio que já ‘mata’ muita coisa, muita gente vê muita coisa lá. Tem um tempinho que a maratona transformou-se em pré estréias de filmes. O pessoal mais interessado que tem uma ligação mais forte, mais longínqua com o cinema, acaba assistindo antes no próprio Festival. E se há um filme que não viu, vim pra cá pra aguardar os outros, que pode ser o último (as 4:30 da manhã), resolve esperar entrar no circuito. Mas é difícil localizar a razão principal.
VC: Você já pensou em trabalhar compondo ou remixando trilhas sonoras para filme?
DJ: Quanto a trabalhar compondo eu não me vejo como compositor. E remixando também não, porque ao contrario da maioria dos DJS, eu não curto remix. São poucos remixes que são próximos do original. Então prefiro tocar o original. Já pensei em trabalhar pensando em trilha, não como compositor, mas como consultor. Ah que legal, essa música encaixa aqui. Já fiz isso em alguns filmes,. Já dei dicas e sugestões para Lucia Murat de qual compositor ela poderia utilizar. Não sou compositor. E remix eu tenho pavor.
VC: Há uma trilha sonora favorita que você sempre toca aqui na maratona?
DJ: Têm musicas que toco mais, porém depende da época. Há varias musicas que escuto fora da maratona e que me lembram a maratona. Nunca penso muito no que vou tocar. Beatles (segunda foto) é uma coisa que quase sempre toco. Porque gosto e porque é a principal referencia de tudo que faz pop de lá para cá. Se eu toco um eletro, e agrada o publico, eu acabo seguindo por esse gênero, mais indie, mais teen. Depende da noite. Têm certas musicas que não condizem com a atmosfera da maratona. Eu não curto a Britney Spears, mas o Hard-Fi fez uma versão ótima de ‘Toxic’. Eu ficava pensando que a musica era tão boa, mas não funcionava com ela. O grupo fez um cover e ficou ótima. Aí já toquei. Axé, funk, heavy metal não toco porque não tem haver com o espírito. Não sou restritivo.
VC: O que você busca em um filme para ele te agradar? Prefere o conjunto ou só um elemento já te satisfaz (como por exemplo roteiro ou fotografia)?
DJ: Normalmente um bom filme é um conjunto de fatores. Um bom roteiro, argumento, câmera, a interpretação dos atores. Quando você tem um elemento só e diz que é bom, raramente funciona. Nos temos o exemplo hoje de ‘Avatar’. Um filme impecável, maravilhoso tecnicamente, mas dificilmente viria de novo, por ser um roteiro tão fraco que não me encanta. Não me arrependi de tê-lo visto, mas se tivesse que dar uma nota para o filme, não seria uma nota alta com certeza. Como diz um amigo: eu deveria esperar 3 ou 4 anos para ver essa técnica aliada a um bom roteiro. Prefiro que tudo seja maravilhoso, mas que tenha uma unidade. Essa unidade é que faz que o filme ser bom ou não. O filme do James Cameron é um desperdício. Muita técnica para pouco conteúdo.
VC: Há algum filme que case bem musica e imagem? Ou vice versa? Um a trilha que salva e ou destrói o filme?
DJ: A trilha sonora contribui para vários filmes, trabalha junto. Recentemente o ‘Onde vivem os monstros’ tem a trilha perfeita, que funciona muito bem. Temos ‘Magnólia’, perfeita a conjunção musica e filme, até porque o filme foi criado em torno da musica. Há trilhas maravilhosas: ‘Apocalipse Now’, os filmes do Stanley Kubrick, os clássicos Fellini, Alfred Hitchcock, Peter Greenaway, Krzysztof Kieślowski. Eu não acho a trilha sonora tão imprescindível em um filme. Existem algumas experiências de filmes sem trilha sonora que acabam funcionando, como o movimento dogma 95 que não tinha musica, só quando aparecia alguém tocando algum instrumento, como no filme ‘Festa de família’. Funciona muito bem. Não necessariamente a musica é primordial. Mas quando consegue casar uma coisa a outra é maravilhoso, dá prazer. Você sai do cinema querendo comprar a trilha sonora. Porém há casos que se compra a trilha e arrepende-se amargamente, porque aquela trilha sonora só funciona naquele filme. Eu particularmente prefiro quando a musica vira um personagem, como em ‘Beleza roubada’ do Bernardo Bertolucci, quando a trilha é muito forte e muito presente, como em ‘Trainspotting’ de Danny Boyle. É um personagem dentro do filme. Quando você lembra de Hitchcock, em ‘Psicose’, você lembra dos violinos por causa daquilo ser marcante demais. A trilha tem que participar, mas não gritar ou fazer com que o espectador esqueça do filme e só se interesse pela musica. Necessita ser uma coisa bem integrada. Uma coisa dentro da outra.
VC: Você deve ter diretores de cinema que o influenciaram. Há algum favorito?
DJ: Tenho vários cineastas favoritos. Mas se tivesse que escolher um, seria o Luis Buñuel (terceira foto de cima para baixo). Porque acho que fala mais comigo do que os outros. Ele esta em uma categoria que não existe filmes ruins, até os ruins são bons. Há outros que mexem muito comigo. Woody Allen é um deles. Até um filme fraco do Woody é muito bom. Glauber Rocha em ‘Terra e transe’, e ‘Deus e o diabo na terra do sol’ é outro. Dos mais novos, Paul Thomas Anderson, que eu sou fã de carteirinha. Ele lembra muito outro cineasta que eu gosto muito que é ‘Robert Altman’ que cria histórias paralelas que vão se entrecortando. O último do Paul ‘Sangue negro’ muda radicalmente a maneira de filmar e mesmo assim se afirma como cineasta. Se for um será sempre o Buñuel. Buñuel no céu, Buñuel na terra.
VC: Jorge, você sabe que adora inventar moda, colocou em pratica o Geléia Moderna, um programa de radio inteligente. Gostaria que me explicasse como é o programa. É mais uma nova esquizofrenia sua (risos)?
DJ: Risos. Pode ser visto desta forma. O Geléia Moderna é feito todo sábado na Roquete Pinto, das 17h as 19h. Eu comecei a pensar nisso fazendo o programa de Lapa Lounge, de duas horas, em uma radio comunitária a convite do dono, e essa historia foi evoluindo até chegar ao Geléia. A radio possui uma estrutura que pega no Rio e com a internet no Brasil e no mundo. Não deixa de ser uma esquizofrenia porque o nome já diz: é pra ser uma geléia. Ter uma mistura de coisas. Acabo usando todas as referencias de musica, desde samba ao rock, passando pela musica negra, latina. A ideia é mostrar coisas novas e as vezes não tão novas, mas que não sejam tão conhecidas. O programa já tem um ano e meio que faço junto com o Brant. E sempre temos convidados de bandas para tocar ao vivo. E como eu fui criado ouvindo radio, boa parte da cultura musical veio deste veiculo. Como o radio é uma coisa que parece que ficou esquecida no tempo, a oportunidade de trabalhar lá me dá uma satisfaçao quase infantil de lembrar de quando era pequeno. E, poder fazer tanto por um veiculo, que fez tanto por mim, na minha formação é um trabalho que mais me dar prazer, um momento de troca de poder devolver toda informação que absorvi do radio. E tento passar para outras pessoas.
VC: A maratona já famosa pelo seu habitual café da manhã após o último filme. Há café, chocolate quente e bolo de chocolate, de limão e de laranja. Qual o seu favorito?
DJ: Risos. Eu já não fico para o café da maratona há bastante tempo, mas quando eu ficava o meu bolo favorito era de limão e eu tomava um chocolate quente. Risos.
VC: Obrigado! Som na caixa dj!
Playlist da maratona em ordem alfabética de música acompanhado pelo grupo (as dez mais dessa maratona)
* 1978 [Super VC]
* Constellations [Darwin Deez]
* Girls use deodorant these days [Avocado Club]
* Love Cats [Rot Hats]
* Paperback writer [Beatles]
* She´s alright (she´s with me) [Stereophonics]
* Third floor story [The Mother Hips]
* Traffic and weather [Fountains of Wayne]
* Transmission [Joy Division]
* You made me like it [1990´s]