Engole o choro
Exclusão externa, repressão interna
Por Paula Hong
Festival do Rio 2023
Crescer à margem da sociedade significa ter de navegar por escolhas limitadas de sobrevivência. Escolhas estas dentro de uma estrutura que se mantém de pé às custas de quem não consegue reverter o destino que parece seguir uma inércia geracional. Dentre os desdobramentos disso, há o abandono parental. A urgência de ascender na vida e se tornar alguém sem referências, sem uma base estável para se ancorar, faz com que muitos jovens periféricos recorram a medidas desesperadas, algumas ilegais, de atingir uma maturidade não correspondente à idade. É o caso de Anderson (Oda Silva) no curta-metragem “Engole o choro”, escrito e dirigido por Fábio Rodrigo. Na obra, o diretor retrata, no micro de uma história, a situação de vários Andersons no Brasil.
Embora o personagem tenha um pai (Renato Novaes), a quem ele não chama enquanto tal em nenhum momento, a sua aparição após Anderson ser detido por ter roubado uma moto transpõe a raridade com que se faz presente na vida do filho. A disfuncionalidade da relação entre dois é palpável e melhor entregue pelo subtexto presente nas atuações do que nos diálogos. As tentativas de reparação dos anos ausentes encontra resistência por parte de Anderson, sobretudo por elas serem oferecidas em palavras que o adolescente assimila como vazias, virando as costas e seguindo seu rumo.
A escolha fotográfica da proporção 3:4 em “Engole o choro” consegue demonstrar a caixa claustrofóbica na qual Anderson cresceu. Atrelada às situações de hostilidade, a caixa molda e limita a visão das chances de traçar um caminho contrário do qual foi apresentado. Por isso, Anderson se reverte em uma camada grossa de autoproteção nutrida ao longo dos anos, a qual demonstra por meio da distância, frieza e certa hostilidade no seu comportamento com outros, mas principalmente com o pai.
Uma cena que representa muito bem isso é quando, no final, o pai o confronta com um abraço, e Anderson se mantém duro naquele entrelaço. Apesar da resistência, a atitude aos poucos desfaz o nó enrijecido pelo desconhecimento de afeto paternal. Com isso, “Engole o choro” mostra-se um forte trabalho capaz de encapsular, em poucos minutos, uma dura e triste realidade de vários jovens brasileiros.