Curta Paranagua 2024

Emicida: Amarelo – É Tudo Pra Ontem

Um dos Brasis

Por Vitor Velloso

Netflix

Emicida: Amarelo – É Tudo Pra Ontem

Há tempos falo sobre a necessidade do cinema olhar para o rap como uma manifestação que rompe grilhões, “Emicida: AmarElo – É Tudo Pra Ontem” de Fred Ouro Preto inverte o imperativo para criar um exercício de didatismo ímpar. Críticas quanto as possibilidades industriais da exibição devem compreender que o alcance se faz de mesma maneira e que neste sentido o filme se assemelha ao protagonista a ocupar o Teatro Municipal. Para isso, apenas podemos agradecer que o artista alcançou uma visualização que ultrapassa o simples algoritmo. É possível imaginar o número de cópias circulando pelas ondas virtuais, apenas cresce a força do projeto.

O documentário que acompanha parte do processo criativo e das discussões que são propostas por Emicida, ainda veste parte da História da música brasileira, assume o tom do debate político sem perder o didatismo, que quase alcança o infantil na construção. É uma exposição de longa duração que se torna convidativa para públicos diversos adentrarem. Neste caso, o tom expositivo apenas ganha forma conforme se soma ao desenvolvimento do álbum que dá título ao filme e não corrompe uma argumentação, nem estrutura diante de si, pois apresenta uma base material para construir crítica da representação na História do Brasil. Crítica não alienante. Assim, “Exu matou um pássaro ontem, com um pedra que só jogou hoje” se torna a ordem imperativa para um Brasil que é urgente mas precisa olhar para si antes de tudo.

“Emicida: AmarElo – É Tudo Pra Ontem” é assimilação de uma estética da violência, mas da autopreservação. É um grito sambado. Tautologia. Mas é homenagem para a História popular que não é ensinada pela elite. E aqui devo fazer digressão para comentar que as filmagens captando uma grande parte do público boquiaberta ou emocionada com o show, é algo de sentimentos divergentes.

O esquema de material de arquivos é um barato versátil, entre o didatismo quase excessivo, com pop-ups e colagens, outros que buscam a forma do documentário quase institucionalizado. E é nessa transa entre os campos que o longa atua e consegue ser efetivo em ambos. Neste aspecto, é unânime que seu efeito é positivo. Podemos falar que em algum momento o ritmo sofre um baque mas ainda assim o carisma do Emicida é único, a presença de McTha, Fernanda Montenegro, Zeca Pagodinho, Wilson das Neves e uma turma de respeito inominável, faz tudo ficar um bocado… difícil de falar. É uma aula de cada um de seus personagens, que o protagonista conduz em criação musical e o documentário condensa em vídeo, da forma mais compreensível e clara possível. A própria narração do cantor, possui o tom de uma exposição para crianças. O exercício parece simples, mas o recurso didático e expositivo teve de ser construído com um esmero ímpar para que a estrutura não se torne repetitiva. Desta forma, a montagem consegue articular uma gama de questões com uma dinâmica que funciona em grande parte, até mesmo quando se torna um “videoclipe”, para dar ênfase à performance.

Sujeito de sorte é o povo brasileiro que pode ser contemporâneo de tantos nomes relevantes que tem sangrado demais e chorado pra cachorro, mas esse ano não morre. Inclusive, um abraço pra quem tentou distorcer o Rio de Janeiro no reacionarismo tacanho. No sistema obtuso, encontramos algum ponto de força e lembramos o propósito do batismo. Essa é a razão de fazer clássicos, Sant.

A recusa por não tratar da crítica como o que se espera do ofício encontra explicação em como o projeto é feito com o ímpeto de tentar explicar o indescritível e dialogar com uma geração que está se formando, um cuidado que Emicida demonstra com uma honestidade que devemos louvar. Logo, quem procurava uma análise crítica de “Emicida: AmarElo – É Tudo Pra Ontem” ficará claramente decepcionado, mas não receberá escusa. São raras as obras que conseguem tal dimensão e expansão, sem tratar com tom conciliatório uma parcela da História para acrescentar ao ego privado de uma classe dominante. A comunhão ancestral que a obra realiza é a ira dos avessos ao Brasil. O filme é outra coisa, discussão para outra hora. Ou não.

4 Nota do Crítico 5 1

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