Em Busca de Carlos Zéfiro
Professor de sacanagem
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra Recine 2021
“Em Busca de Carlos Zéfiro”, novo documentário de Silvio Tendler, que tem uma vitalidade para produzir que realmente impressiona, conta a história do personagem presente no título, um quadrinista brasileiro histórico, que é responsável pela educação sexual de parte das gerações no séc.XX. Ou é como o filme vende esse peixe. E dizer isso não é entrar em discordância com o que é apresentado, mas como outros projetos de Tendler, existem alguns espaços que precisam ser mexidos. O caráter didático do diretor é uma de suas marcas, e aqui não poderia ser diferente: uma narração animada, cortes ágeis, inscrições constantes para lembrarmos do nome e do ofício do(a) entrevistado(a). Isso tudo porque é muita informação em pouco tempo de projeção. Ou melhor, é muito dado e opinião em pouco tempo.
Na maior parte das sequências, o conteúdo divertido e dinâmico solta uma série de pérolas, exposições, trechos dos quadrinhos e depoimentos de historiadores, psicólogos, pesquisadores, e o próprio Silvio, para falar um pouco da experiência de ler as histórias sexuais de Carlos Zéfiro. Essa irreverência informal é o que faz o longa ser agradável de assistir, ainda que um tanto repetitivo, mas não oferece um conteúdo direto a ser debatido, é sempre algo tangencial. A própria questão do machismo e de uma suposta característica progressista do quadrinista é debatida rapidamente, sem grande foco e se perde em meio às narrativas desajustadas de jovens descobrindo o prazer. Existem certas omissões no documentário, como uma objetificação dos corpos negros (explicitamente na maneira como ele descrevia as situações) que se torna injustificável à medida que o projeto se curva brevemente para falar das mulheres. Está certo que “Em Busca de Carlos Zéfiro” não pretende fazer uma crítica ao “pornógrafo”, porém são dados que poderiam ser colocados de maneira tão didática quanto os outros.
Ainda assim, as lembranças dos entrevistados remonta uma grande importância não apenas na educação sexual, como da necessidade da família não tratar a sexualidade como tabu à ponto de fomentar uma curiosidade pelo que é “proibido”, esse conteúdo repressivo do sexo, visto em boa parte da sociedade brasileira, se desdobra de maneira galhofa em um certo conservadorismo moral da coisa. Ainda que Carlos Zéfiro seja reconhecido não apenas por esses trabalhos no mundo dos quadrinhos, mas também por composições (incluindo “A Flor e o Espinho”, junto à Nelson Cavaquinho), negar que seu conteúdo seja autenticamente pornográfico, como Silvio faz em determinada apresentação, é incompreensível. Agora, se existiu a importância geracional, é outro debate. Em um dos trechos mais interessantes do filme, é feita uma breve descrição de como funcionava o esquema de distribuição das obras, que sofriam com a censura do Estado entre a década de 50 e 70. Momentos como esse estabelecem não apenas a curiosidade pelo objeto, mas uma descrição mais material de sua circulação etc.
Mas até o debate entrar na roda de conversa, um bom tempo de projeção já se foi e resta ao espectador continuar se deliciando, com perdão do trocadilho, com as histórias. “Em Busca de Carlos Zéfiro” é aquilo que esperávamos de Silvio Tendler falando das sacanagens de Carlos Zéfiro, um punhado de conversas sobre o tema e esse esquema meio tomo de crônicas que o diretor assumiu de um tempo para cá. É particularmente interessante ver sua perspectiva didática se desenvolvendo para um dinamismo quase pronto para ser lançado em sites de compartilhamento de vídeo. A incessante carreira de Silvio segue como uma das cinematografias que mais se debruçaram sobre temáticas brasileiras, com características que sempre lhe foram particulares, ele se tornou um ícone do cinema nacional. Suas exposições suscitam certa curiosidade e devem ser usadas nas salas de aula, mas o conteúdo não pode se encerrar ao subir dos créditos finais.