Em Busca de Amani
Desperate searching for Amani
Por João Lanari Bo
Assistido durante o Festival É Tudo Verdade 2025
“Em Busca de Amani”, concluído em 2024, é um documentário que se pretende inspirador, no sentido educativo do termo. E funciona. Um aspirante a jornalista de treze anos investiga o trágico assassinato de seu pai, dentro dos limites de uma das maiores reservas de vida selvagem do Quênia – a sinopse do IMDb sintetiza o páthos da história, focada no garoto Simon Ali, que ganhou da equipe de produção uma câmera Sony 4k e foi a campo tratar de entender como se deu a tragédia que vitimou sua família.
De acordo com a IA, a palavra “amani” no idioma swahili significa “paz”; também pode se referir a segurança e tranquilidade. É um nome neutro em termos de gênero, considerado auspicioso. A palavra também circula em outras línguas: em árabe, significa “aspiração” ou “desejos”; em sânscrito, significa “estrada” ou “caminho”; em inuíte, é um sufixo que indica presença e localização. Foi a última palavra que Stephen Ali Apetet mencionou – pai de cinco filhos que trabalhava como guia na Laikipia Nature Conservancy, ele foi baleado e morto enquanto acompanhava duas pessoas em um passeio.
“Em Busca de Amani” é, portanto, o processamento de um luto. O drama de Simon foi detectado pela produção do doc, que começou a procurar, em 2019, histórias envolvendo crianças e mudanças climáticas. As diretoras Nicole Gormley, norte-americana, e Debra Aroko, queniana, perceberam que a saga pessoal de Simon seria um poderoso gancho emocional para matizar a proposta de educação ambiental do projeto. Seu protagonismo e a manifesta vocação de jornalista investigativo – que ele exerce e explicita ao longo do filme – servem de atrativo para audiências jovens, assim como dispositivo de metalinguagem. Sua câmera é um dos personagens do filme, alguém que participa dos acontecimentos (quase) como um membro da família.
O primeiro encontro da equipe com a família de Simon ocorreu poucos meses após o assassinato. Veio a pandemia em 2021: um dos poucos países que seguiram parcialmente abertos foi o Quênia, em particular o condado de Laikipia, no centro-sul do país, permitindo a continuidade das gravações. A exemplo de outras regiões do país, lá encontram-se reservas privadas, muitas controladas por estrangeiros, que oferecem acomodações para turistas interessados em explorar vida selvagem africana. O problema é que com o aumento da população e, sobretudo, com o impacto das mudanças climáticas – que acentuaram a desertificação no norte queniano – cresceu fortemente a pressão de criadores de gado por água e pastagens férteis, disponíveis nas reservas. O assassino do pai de Simon teria sido um miliciano contratado por esses grupos.
A situação é crítica desde o final da década passada. Em 2017, a proprietária da reserva, Kuki Gallmann, foi baleada enquanto inspecionava a área; em 2021, novamente baleada, por assaltantes de gado armados enquanto dirigia nos limites da Reserva. Gallmann é uma personalidade midiática devotada a causas ambientais e humanitárias, em particular na África: publicou cinco livros, todos best-sellers globais, incluindo sua autobiografia “Eu Sonhei com a África”, que virou longa-metragem estrelado por Kim Basinger. Em “Em Busca de Amani” foi inserida entrevista sua concedida há alguns anos, onde alertava para a questão. Sua filha, Sveva, é quem toca a reserva, e comparece no documentário acompanhando o aspirante a jornalismo – foi ela quem sugeriu o nome de Simon para a equipe de produção.
A realizadora Nicole Gormley é experiente em documentários focados na natureza, seja no mar ou na terra. Realizou trabalhos para o National Geographic e assemelhados – em certo sentido, “Em Busca de Amani” é o contraplano das imagens idílicas que estamos acostumados a ver nesses programas, que normalmente excluem da paisagem qualquer resíduo de presença humana – salvo apresentadores supostos “peritos”, ou guias locais. A proximidade com conflitos nas fronteiras das reservas, públicas e privadas, é um dado obviamente relevante e incontornável, que raramente é citado no mainstream da produção sob a rubrica genérica “natureza”.
A personalidade de Simon Ali, tranquila e determinada, é talvez a principal responsável pela consistência do enredo – silenciosamente, ele começa a investigar os problemas enfrentados pelos criadores devido à seca. Seu melhor amigo, Haron, pertence a uma das famílias que tira o sustento do gado, em condições cada vez mais difíceis e precárias. Simon procura o pai de Haron e colhe seu depoimento.
Ao mesmo tempo, ele insiste na busca por testemunhas que estavam com seu pai no dia em que ele foi morto.