Elio
Estrangeiros e suas fantasias
Por Fabricio Duque
Talvez o maior inimigo à criatividade desta contemporaneidade, especialmente neste período pós-pandemia, esteja mesmo no próprio tempo que vivemos. Se antes os filmes eram feitos à moda artesanal, preocupando-se com detalhes e simbolismos narrativos, sempre à busca da invenção da arte, agora os resultados finais parecem ter prazos curtíssimos “para não perder o timing” de seus lançamentos. Sim, é fato, o mundo tornou-se rápido demais. Tudo é urgente. Isso faz com que seja bem difícil a construção de uma obra cinematográfica mais icônica, mais marcante, mais única. O cinema do agora quer mais a aparência, mais a embalagem, mais a experiência fast food de ser, não mais a de seu conteúdo mais existencialista e mais aprofundado, mas sim o simulacro dessa ideia. Sim, até a Pixar sentiu essa sensação quando foi “abduzida” ao “lado negro” dessa pressa temporal, talvez por ter sido “adentrada” como uma “perna” da Disney, restringindo suas liberdades criativas. Desde antes de seu início, a Pixar trava batalhas para manter a perfeição de suas obras, vide “Toy Story”, por exemplo, para assim manter seu “nível” de uma abordagem mais cognitiva das emoções humanas mais orgânicas, idiossincráticas, possíveis e genuínas, personificadas em seres inanimados.
Neste ano de 2025, chega aos cinemas o mais recente trabalho da Pixar e da Disney, “Elio”, dirigido e animado a seis mãos, Madeline Sharafian (do curta “Burrow”), Domee Shi (de “Red: Crescer é uma Fera”) e Adrian Molina (de “Viva – A Vida é um Festa”), e, infelizmente, em minha opinião, parece seguir essa tendência do parágrafo anterior. É lógico que o filme em questão aqui ainda conserva na narrativa muitos elementos típicos dos comportamentos humanos ao entender e respeitar, com sensibilidade e empatia, as dores, os dramas, os sofrimentos, as perdas causais, os lutos consequentes e os processos de lidar com o luto. Desta vez, a Pixar traz no tema a metáfora do estrangeirismo de outros planetas, de que todos, sem exceção, somos imigrantes de nós mesmos à espera da terra perfeita e da aceitação popular, entre ilusões, utopias, crenças na “grama mais verde do vizinho” e vidas em outros planetas. A forma intimista de “Elio”, que conta a história do micro para representar o macro, vem pela coloquialidade (e experiência possível de uma exposição do universo espacial de Carl Sagan, por exemplo) de mesclar emoções com referências, como procurar extraterrestres para se ter “companhia” e não mais estar sozinho, ainda que sua tia seja uma astronauta.
“Elio”, que constrói uma imersiva experiência a seu público pelo incrível 3D, ainda foca na conservação da liberdade da imaginação de uma criança pura com os sentidos aguçados aos mistérios do novo. De permitir que a mente “viaje”, até mesmo pela imprudência irracional. Que fale sua língua própria “eliolês”. Que busque no paradoxal inconsciente coletivo respostas concretas às sensações ainda desconhecidas. “Existe vida lá fora da Terra?”, pergunta-se. E assim, entre brincadeiras de crianças esperançosas e adultos céticos (e/ou “analistas orbitais”), somos levados a inferir “Onde Vivem os Monstros”, de Spike Jonze. Elio quer ser abduzido deste universo. Quem não quer, não é mesmo? Pela religião kardecista, este mundo é para sofrer, em provas e expiações. A Pixar, inclusive, já abordou isso em “Soul”. Sim, mas “Elio” que prova que qualquer ser, em qualquer planeta, comporte-se exatamente igual, ainda que a gente ache que os sentimentos são só humanos, infelizmente corrobora o que eu trouxe no primeiro parágrafo deste texto. A condução de sua narrativa está mais direta, mais explícita, mais didática, mais dramática, bem menos emocionalmente cognitiva e bem mais urgente para acontecer e resolver suas reviravoltas, indo assim mais ao encontro do seriado “Stranger Things” que um “Além da Imaginação”, por exemplo, e tampouco com o mesmo equilíbrio preciso, polido e apuro existencialista de um “Procurando Nemo”.
“Elio” é uma animação de embate. De luta contra o tirar a fantasia de uma criança. O contar a ela que Papai Noel não existe. O amadurecer com as “formas sociais” das convencionais e pragmáticas “verdades” lógicas. Ao adentrar no psicodelismo lúcido de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, no lúdico de “E.T. – O Extraterrestre”, de Steven Spielberg, na suspensão do tempo ao etéreo real, esta animação procura o pertencimento. O reconhecimento como existência. O destino não “atrapalhado”. E é aí, neste momento, que “Elio” embarca na mensagem de sua metáfora: as “missões perigosas” que nosso personagem principal precisa passar para estar “apto” a entrar no universo deles. Elio ainda é um estrangeiro e precisa provar seu valor, num que de Síndrome de Super-Homem. O herói intergaláctico que faz de tudo para ficar numa terra que o exige demais. E que ao encontrar vulnerabilidades nas amizades improváveis e nos mais fortes, os ajuda, os encoraja e dá afeto.
Sim, “Elio” tinha tudo para integrar o rol de melhores obras da Pixar, mas como disse a pressa fez com que o resultado ficasse cru. Mais apelativo ao sentimental, ficando fora de tom e muito facilitado ao trabalhar as emoções, entre “cartas na manga”, experiência a la “A Substância”, de Coralie Fargeat, redenções, resoluções de “solidão patológica” e finais felizes. Pois é, na ansia de ser guerreiro tão rápido, perde-se a batalha antes do fim. Dessa forma, “Elio” em hipótese alguma é um filme ruim, pelo contrário, mas falta o pó mágico criativo e secreto que a Pixar sempre adicionou em seus obras e que sempre deu certo. Para que mudar time que está ganhando? Para agradar gregos, troianos, humanos e/ou extraterrestres?