El gran viaje al país pequeño
Análise crítica e dignidade
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Gramado de 2020
Documentário presente na competição de Longas Estrangeiros no Festival de Cinema de Gramado 2020, “El gran viaje al país pequeño” de Mariana Viñoles é um filme que busca sintetizar a crise política que tange os imigrantes no Uruguai. Se o exercício crítico for sintético apenas a esta frase, tudo estaria perdido.
Por sorte, Mariana estrutura seu projeto em torno do acompanhamento das famílias que está retratando na película, assim consegue enquadrar as mudanças de hábitos culturais e os costumes para o novo país, fugindo da guerra na Síria. O documentário é lento e se articula para usar os dispositivos da realidade à favor do filme. Logo, o trabalho é político por si, pois não se desfaz em tornar tudo em dados e exposição simplória, parte do olhar dos refugiados para analisar um problema socioeconômico que os persegue, agora em solo latino-americano.
São muitos os paralelos que podemos fazer ao debatermos as verdadeiras resoluções a serem tomadas, isso inclui determinadas falas categóricas como: Essa é a lei do país. Caso a situação não fosse compreendida como exceção, essas pessoas não estariam ali. Assim, a montagem faz questão de transitar entre os diferentes momentos da conturbada estadia, gesticula sempre que possível acerca de um imaginário do que o Uruguai “gostaria de ser”, em confronto ao que ele “é”. Nesses ciclos de debates propostos, a dialética ganha forma enquanto discurso, pois a realidade se torna uma pureza imagética unilateral, não o “real” político internacional, mas a verve máximo que acomete a todos. O subdesenvolvimento e seu capitalismo dependente, gera falas como “Todos os Uruguaios são safados e mentirosos!”. A venda do imaginário é um crime hediondo, produto de mercado do capitalismo.
Não se deve culpar a decepção dos refugiados, sim a má articulação política do país em torno da situação de ocasião. E isso, Mariana Viñoles faz. É o olhar crítico que consegue transportar os problemas socioeconômicos para seu filme. Do contrário, estaríamos aqui culpabilizando meio mundo por todos os problemas latinos e findaríamos a debater sobre o imperialismo, onde o foco é especificamente a vida dessas pessoas, não apenas a longínqua análise política de resoluções ou desserviço. E “El gran viaje al país pequeño” consolida passagens bem fortes no drama de seus protagonistas, não nega as particularidades de suas situações, nem concede a privacidade do pensamento internacional.
Outra vertente explorada pela cineasta, são as concepções de divergência prática no universo feminino, onde não cessa em ser incisiva nos costumes, reforçando uma pergunta quando uma das personagens diz que as mulheres muçulmanas são livres. O olhar que a diretoras faz aqui, possui duas possibilidades, uma de indagação através da surpresa da palavra, talvez por não compreender a liberdade da maneira que a mulher ali presente. Outra de cunho anti antropológico, onde tenta levar parte da concepção ocidental à mulher muçulmana. E que fique claro aqui que há críticas possíveis a serem feitas, para ambas as partes (mas o debate é arenoso: religioso e moral). Mas não há grandes razões em sustentar a segunda visão, pois é o único momento onde há um conflito de “interesses” em torno do material.
E aqui, esta palavra, material, ganha um significado singular na abordagem proposta por “El gran viaje al país pequeño”, pois o documentário compreende que seu movimento dialético possível, é conceber os axiomas possíveis internamente, entre os refugiados, não incluir parte do debate político para o campo uruguaio, pois estes detêm a situação, o verdadeiro poder. E podem utilizar de recursos múltiplos para tentar explicar o que todos latino-americanos compreendem de maneira ímpar. A diferença entre orgulho e dignidade. Aqui, ambos estão presentes, mas o segundo possui raízes exteriores às vontades de seus personagens, e a sua própria.
Por fim, o filme é um breve alento de humanidade em meio ao caos político contemporâneo, mas seu problema de ritmo acaba afastando uma parcela dos espectadores. Sua linguagem, efetiva, acaba entregando um arrastado desenvolvimento, necessário, para que possamos humanizar a discussão e trazer para a realidade, empírica, fora do debate político de palanque. E deve-se lembrar, o humanismo não é avesso à crítica nem à dialética, o materialismo o comporta sem grandes divergências. O velho barbudo não afastou a ideia.