E Agora, a Mamãe Saiu de Férias?
Retrato de uma Classe Média em Chamas
Por Daniel Guimarães
Há filmes que, representando o dilema da mãe que abandona o emprego para cuidar de seus filhos enquanto o pai trabalha, exploram seu potencial social. Outros partem para uma abordagem cômica, até mesmo na competitividade, onde um diz para o outro: “você não conseguiria fazer o que faço”, acabando por explorar as limitações e incapacidades de lidar com certas funções em uma família. “E agora, a Mamãe Saiu de Férias?” escolhe, teoricamente, a segunda via.
O longa-metragem, dirigido por Alessandro Genovesi, conta a história de uma família de classe média italiana. Ao decidir viajar de férias por dez dias, a mãe deixa os três filhos aos cuidados de um pai que não faz ideia de como ser responsável por esta tarefa. Comédias desse estilo podem render cenas e situações genuinamente interessantes e divertidas. É um desperdício que, aqui, mesmo entretendo por alguns momentos, não apresente nenhuma novidade e caia no trivial.
Em seu primeiro ato “E agora, a Mamãe Saiu de Férias?” apresenta recursos interessantes. Dentro da casa, com envolventes interações familiares e boas atuações da dupla parental, trabalha-se rápida e eficientemente a insatisfação e o cansaço da mãe. A câmera, mesmo quando focada em um personagem, não se mantém parada e dita um ritmo intenso às muitas tarefas do cotidiano daquela mulher. Além disso, provém certa vida e naturalidade àquele ambiente, contrariamente ao trabalho do pai, onde a câmera se mantém mais estática, gerando certa frieza. Sugere-se, até então, um longa-metragem de bons diálogos e interações sobre papéis e espaços dentro de uma família. Entretanto, do momento em que a mãe parte para sua viagem, é possível prever todos os dramas, situações e soluções que ocorrerão nos últimos dois atos.
Surge em cena o caricato “papai atrapalhado”, que falha ao lidar com sua própria família de “pestinhas”. A filha adolescente é rebelde, o filho do meio é bagunceiro e, claro, há um bebê. Um trio parecido com o de outra comédia que passou pelos cinemas brasileiros há menos de dois meses, “Brincando com Fogo”. É visível que esse caminho irá implorar por uma abordagem cômica, através da incapacidade do pai, mas também pede por um leve drama. Os filhos irão desejar os cuidados da mãe e o pai irá forçar uma aproximação, mesmo sem, de fato, os conhecer. Porém, não é nem necessário dizer, irá encontrar redenção no final. Seu afastamento será perdoado e ficará mais próximo do que nunca de sua família. Estrutura narrativa que nunca falha para a família de classe média.
“E agora, a Mamãe Saiu de Férias?” parece se esforçar, mesmo sem qualquer maior necessidade dramática, para alcançar o banal. Uma adolescente rebelde pode ser construída por infinitos meios. O longa-metragem opta pela de gótica aborrecida, que veste camisa de Quentin Tarantino e possui, no quarto, diversos posteres de rock. Além de, claro, sair revoltada e bufando ao fim de todas as conversas. Como é mais velha, irá conduzir o drama da história na relação com o pai, evidentemente. As outras duas crianças sequer passam por qualquer desenvolvimento, limitam-se ao “moleque” bagunceiro e a uma bebê que ainda não fala perfeitamente. Tudo se aglomera para criar personagens e tramas tediosas e cansativas.
Somado a isso, o roteiro parece se iludir, acreditando estar muito bem estruturado ao elaborar tramas que se intercalam em causalidades e consequências, mas que somente surgem como artifícios simplórios. A exemplo, a personagem da jovem babá, criada exclusivamente para se trazer alguma forma de “humanidade” ao protagonista. Esse, inclusive, parece flertar com o “dirigente impiedoso e implacável” de uma grande empresa, mas o longa-metragem jamais mostra coragem para realmente se concretizar. A cena em que o personagem causa uma demissão é somente uma piada no começo do filme.
Ainda, o filme nunca se assume como, de fato, uma crítica a qualquer tipo de extremismos no meio do trabalho ou a grandes companhias que abusam de seus trabalhadores. Somente beira a superfície de uma ridicularização que por poucas vezes funciona imageticamente. E, ao nunca se esforçar nesse sentido, uma possível e interessante sátira se transforma em narrativa mal elaborada. Evidente que trabalhar por meio de sutilezas é válido, mas, nesse caso, retratar o ambiente de trabalho simplesmente com personagens estúpidos e caricatos é grosseiro. Além disso, parece sugerir quase uma bizarra impossibilidade na conciliação entre família e trabalho, somente sendo possível dedicar-se a um.
O longa-metragem também flerta, entre erros e acertos, com o absurdo e o pastelão em alguns momentos. A sequência no final, envolvendo uma grande bola de plástico, ao melhor estilo Indiana Jones e “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981), é muito bem realizada por justamente trazer o absurdo e a catástrofe de forma a entreter visualmente. No espectro oposto, aquela que envolve os dentes do protagonista é simplesmente lamentável. Por vezes fazendo revirar os olhos ao retratar os grandes problemas familiares de uma classe média alta que pode contratar babás, viajar e largar o trabalho a hora que bem entender, “E agora, a Mamãe Saiu de Férias?” parece sempre deslizar ao mostrar potencial em algum estilo narrativo. Se sabotando constantemente, parte em direção ao batido e ao senso comum.