Curta Paranagua 2024

Duna

Será que Lynch foi dominado pela Voz?

Por Fabricio Duque

Duna

Há críticos que se recusam a escrever sobre filmes antigos, porque acreditam que o olhar modernizado do hoje adultera a percepção. Outros, em especial aos anos oitenta, veem como sacrilégio a arte da análise à luz do agora. Sim, a indústria cinematográfica evoluiu muito sua técnica, o que antes pode soar esdrúxulo (mas que era o que se conseguia fazer na época com as limitações dos básicos efeitos especiais), neste exato momento ganha um estético realismo fantástico. No meio de toda essa discussão está “Duna”, escrito (baseado no romance homônimo de Frank Herbert – um sucesso que valeu o Prêmio Nebula) e dirigido por David Lynch, que após  “Eraserhead” e o “Homem Elefante” resolveu galgar novas aventuras patamares. Pois é, o filme em questão aqui comprova que nunca se deve domar um ser selvagem. Nunca se deve cortar suas asas criativas. E nunca se deve adaptar a característica essencial de seu trabalho pela padronização esperada ao público de massa. Nunca funcionará. A profecia estava correta. “Duna” é considerado um dos piores filmes de todos os tempos. Mas por que? E qual o motivo de tantos cineastas adoradores da obra, que querem refazê-lo, como é o caso de Denis Villeneuve, que tanto bateu o pé que conseguiu o remake, que integra a competição oficial do Festival de Veneza deste ano? Vamos por partes!

“Duna”, lançado em 1984, no turbilhão inventivo dos anos oitenta, inevitavelmente trouxe referências do gênero de ficção científica a sua construção . Desde “Star Trek – Jornada nas Estrelas” (iniciada em 1966), passando por “Star Wars – Guerra nas Estrelas” (1977), de George Lucas, culminando em “Superman – O Filme” (1978), de Richard Donner, e se moldando em “Mad Max” (1979), de George Miller. E um que da trilogia literária “O Senhor dos Anéis”, de J. R. R. Tolkien (iniciada em 1954). E mais um que de Expressionismo Alemão. Mas porquê esses são aclamados e “Duna” um fiasco? David Lynch não encontrou liberdade para expressar sua autoralidade (a atmosfera estranha e bizarra que o tornou conhecido) nesta superprodução, ficando sob a tutela de Dino De Laurentiis, e decidindo que nunca mais se envolveria em projetos grandiosos. E seguiu com sua palavra para deleite de seus fãs. É quase impossível definir (e/ou traduzir) “Duna”. A impressão que temos é de que Lynch desistiu do projeto. A narrativa acontece afobada demais em suas reviravoltas facilitadas pelo roteiro. As interpretações, forçadas e anti-naturalistas, soam como se ainda estivessem na leitura dos pré-ensaios, e suas reações, de efeito à moda caricatura de uma novela mexicana. Os efeitos especiais não foram lapidados. A filmagem crua não “ganhou” apuro técnico, lembrando o amadorismo caseiro de inserções de telas prontas. “Duna” é um grande teatro filmado, em que suas maquiagens, feitas talvez na pressa.

Contudo, bem lá no fundo, podemos encontrar David Lynch e seu “lado” grotesco e de confronto nojento pela presença das criaturas, seres  “monstros” consumidos por poder, e pelos sonhos, artifício este não tão aprofundado (talvez para não “afastar” a audiência), e principalmente por tentar quebrar a moral norteamericana, sugerindo possibilidades identitárias de gênero sexual sem julgamentos, como “belo rapaz” e toques/olhares insinuados. “Duna” é uma fábula crítica sobre uma nova sociedade futurista (com um que de “Blade Runner – O Caçador de Androides”, 1977, de Ridley Scott) do ano de 10191, que, “atrapalhada” com o conceito de progresso, regressa à zona de conforto do regime feudal, visto que se entende muito mais o primitivo e a violência explícita dos “valores” universais. Quer expor a problematização da exploração econômica dos recursos naturais e a escassez da água. A moeda da vez é a Especiaria, que aumenta a expectativa da vida e os poderes de  presciência. A luta está criada, entre intrigas, traições, batalhas e conflitos. Pois é, tudo isso é captado, mas como um “samba do crioulo doido”. Chega uma hora que a bagunça é tão grande que nem o próprio filme sabe mais para onde está indo. O roteiro vem para ajudar adicionando mais tempero informativo nesse caldeirão.

“Duna” talvez devesse se levar menos à sério e se tornar mais despretensioso. O erro talvez esteja mesmo na crença absoluta de dramatizar demais, sem nenhum alívio cômico, minto, quando um dos escravos é jogado no chão e/ou quando o núcleo surtado potencializa suas entregas catárticas. Nada explica o fracasso. No elenco, Kyle MacLachlan (que se tornaria seu ator queridinho), o cantor Sting (como Feyd-Rautha Harkonnen, o “belo rapaz” de seu amo), Max von Sydow (ator icônico de  Ingmar Bergman em “O Sétimo Selo”, que joga xadrez com a morte), Patrick Stewart (de Excalibur, que estrelaria a nova geração de “Jornada das Estrelas”), Linda Hunt, o próprio Lynch (como Trabalhador na especiaria), até mesmo o músico Michael Bolton (não creditado). E com música de Brian Eno e Toto. Não se sabe mesmo qual a razão. Talvez pela urgência de David Lynch em querer terminar logo tudo. Tudo é feito “nas coxas”, gerando um exemplar B de Filme B. É, só que a informação que acaba de chegar é: o novo “Duna” de Denis Villeneuve foi “ovacionado por oito minutos no Festival de Veneza 2021”. Sim, mais fogo no parquinho. Mas o que todos precisam entender que não se deve comparar um com o outro. Por exemplo, até “Fahrenheit 451”, de François Truffaut, teve “mãos de Deus americano” por Ramin Bahrani com Michael B. Jordan; e “Berlin Alexanderplatz”, de Rainer Werner Fassbinder, “ganhou” novo tratamento por Burhan Qurbani. As perguntas que ficam são: Por que há a necessidade de se refazer obras? E será que não há mais temas e ideias para a industria de Hollywood? Por favor, respeito! Por mais que “Duna” seja “bomba”, o filme representou uma época, uma geração e todos seus problemas-limitações. Com ou sem “voz” mutante.

2 Nota do Crítico 5 1

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