Dominique
Travelling, geografia e moral
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Gramado de 2020
O Brasil segue retratando suas histórias a partir de suas bases, de uma sociedade que não difere tanto do atual ocupante da cadeira no Planalto. Aliás, não podemos esquecer que o país segue sendo o recordista de assassinatos de travestis e pessoas trans no mundo. “Dominique” é consciente às bases nacionais ao ser construído através das narrativas de sua protagonista, em visita à mãe, no interior do Pará.
No filme de Tatiana Issa e Guto Barra, a câmera está sempre procurando Dominique, acompanha pelas ruas e mantém a dialética em organicidade simultânea da imagem e do som. A voz em off constrói a narrativa de brutalidade que está enraizada na História deste país, comenta sobre a violência que sofria/sofre da sociedade e das agressões constantes dos policiais. Além dos dados já conhecidos sobre as possibilidades de emprego de travestis, que quase zero, força a prostituição pela sobrevivência.
Nessa base, “Dominique” é muito versátil em conciliar o tempo de entrevista, a narração em off, as imagens que apoiam sem perder sua particularidade, o retrato de um Pará que se aproxima do solo, percorre um caminho e chega à uma ilha na foz do rio Amazonas. É cinema-antropológico, porque se despe de questões exteriores, mergulha em sua história, compreende através da base, concebe um tom tradicional ao recorrer à oralidade, uma recusa de apresentação expositiva de imagem de arquivo. É cinema-geográfico porque se estrutura em torno de um Pará múltiplo, multifacetado, plural.
Mas não cai na mera apresentação dessas questões, permite a externalização cultural, através da narração, de uma violência conhecida pelo povo brasileiro, no caso do Sudeste, SP. E são essas características que se somam diante da imagem, que apenas torna o processo aditivo na construção. Assim, “Dominique” é um filme que não é apenas importante para a compreensão do Brasil, como é absolutamente consciente da estética e da sociologia que mira, e acerta de forma cirúrgica. É o cinema do ato, as imagens de arquivo são apresentadas pelas personagens, as falas são suficientes e a narrativa não recusa seus dispositivos para alcançar os objetivos.