Curta Paranagua 2024

Divertimento

Música e vida, vida e música

Por Letícia Negreiros

Divertimento

“Divertimento” é o mais novo longa da diretora francesa Marie-Castille Mention-Schaar, narrando a história das gêmeas Zahia Ziouani (Oulaya Amamra) e Fettouma Ziouani (Lina El Arabi). Acompanhamos as irmãs ao furarem a bolha da música clássica parisiense, saindo da periferia em direção à capital para estudar. É uma narrativa de superação e perseverança, baseada nos acontecimentos da vida das irmãs Ziouani.

O primeiro impasse das musicistas não é, na verdade, musical. Tem de se adaptar a um colégio da elite de Paris. Temos, então, uma configuração não muito estranha a filmes que se passam no ensino médio: são rejeitadas pelos alunos, ganham simpatia de algum professor, há algum tipo de bullying envolvido. Zahia é o alvo principal, mas Fettouma também é impactada. O conflito de classes refletido nessas intrigas dá o tom do início da narrativa. O sofrimento das meninas é frustrante. Mesmo já se adivinhando a direção que o longa tomará, é desesperador vê-las sendo diminuídas pelos alunos de Paris. 

Zahia conquista a inimizade com mais afinco pois desafia o status quo da turma de forma mais direta. Estar ali já é uma afronta, mas quer ir além: quer ser maestra. A professora, simpatizando com a garota, lhe oferece a oportunidade de regir a turma. A menina torna-se, assim, um alvo. É nesse ambiente hostil que ganha também a simpatia de Sergiu Celibidache (Niels Arestrup), maestro vetereno que passa a lhe ensinar. 

Mesmo com esses conflitos, “Divertimento” se mostra um filme de emoções bem lineares. O desconforto com as situações é bem presente, mas não verdadeiramente profundo. Não carregamos de fato os problemas pelos quais as meninas passam, tudo se esvai muito rápido. O que não se resolve em algumas poucas cenas é ofuscado pelo ambiente caloroso do núcleo familiar dos Ziouani. 

A relação com os pais é outro ponto muito central em “Divertimento”. Não por apresentar grandes dilemas à narrativa, mas pela relação perfeita que é apresentada. A única contenda desse núcleo não é impactante ou mesmo preocupante. Já se tem a imagem de amor inabalável reforçada, um desentendimento não representa nenhum tipo de ameaça a ele. A relação com o irmão ganha um pouco menos de destaque, mas é igualmente terna. E há a relação das gêmeas. 

Esse, sim, é um ponto alto da narrativa. Pressupõe-se que são muito amigas porque são gêmeas, mas o longa toma uma direção contrária. Só confirma que de fato o são muito depois, focando em fortalecer o laço das duas no cotidiano compartilhado. Amamra e El Arabi entregam uma cumplicidade de quem se conhece a vida toda. Os olhares que comunicam histórias inteiras e as conversas de madrugada são muito naturais e prazerosos de acompanhar. É uma relação tranquila e a falta de brigas não causa estranhamento. Se dá por uma dinâmica trabalhada há anos e alcançada com algum esforço. Agora, é apenas pacífica. 

Temos, ainda, a trilha sonora. Contando com a participação das verdadeiras Zahia e Fettouma Ziouani, o uso da música é o melhor que “Divertimento” tem a apresentar. Elemento central da narrativa, a impressão que se tem é de toda melodia ouvida ser diegética. Em certo momento do filme, Celibidache diz para Zahia que música é vida, mas vida também é música. O longa passa a incorporar os dizeres do mestre. Os sons do metrô se misturam a sinfonias. Zahia passa a reger em todo o lugar. Não se sabe mais o que é melodia e o que é apenas ambientação, mas é hipnotizante. 

Divertimento é, também, a orquestra criada pela maestra. Em um ponto decisivo da narrativa, regendo em um lugar no qual não se sente tão segura, a música é imediatamente substituída por aquela que ensaia com sua orquestra. A transição é paralela ao crescimento da confiança de Zahia. Novamente retoma os dizeres de Celibidache. Quando a Ziouani se lembra do que mais gosta na vida, tudo se torna música. 

“Divertimento” é, de certa forma, um filme didático. Além do grande uso da música, há um ou outro momento de uma fotografia mais interessante e inventiva. Uma cena ao piano com um colega, outra voltando para casa no metrô com sua irmã. De resto, o filme apresenta imagens límpidas e claras, mas nada de absurdamente extraordinário, apenas transmitindo com nitidez o que quer dizer. O mesmo pode ser dito para demais aspectos técnicos. Se aprende, ainda, sobre o que é ser um maestro e as dificuldades de ser uma mulher nesse meio. A superação das gêmeas é um exemplo, mas seu feito está, ainda hoje, muito longe de ser regra. 

2 Nota do Crítico 5 1

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