Curta Paranagua 2024

Diálogos com Ruth de Souza

Mas eu sou Ruth

Por Vitor Velloso

Durante o Festival CineOP 2023

Diálogos com Ruth de Souza

O impacto que a projeção de “Diálogos com Ruth de Souza” causou na primeira imagem foi notável. No frio de Ouro Preto, uma parte do público se entreolhou, outra parte já entendeu por onde iria caminhar o filme de Juliana Vicente. A imagem é um desenho detalhado de um navio negreiro (a obra, salvo engano, o credita como sendo de 1852), que inicia um processo que se consolida ao longo do documentário, uma extensa apresentação de arquivos: jornais, entrevistas, fotos etc, para entregar ao público não necessariamente uma biografia de Ruth de Souza, mas um diálogo que procure compreender sua imagem ao passo que, de alguma forma, discute Brasil. 

Quando, ainda no início do longa, Ruth se queixa de ser pouco convidada para eventos no Rio de Janeiro, fica claro que o brasileiro realmente dá pouco valor aos maiores nomes de sua história, pois dias antes Tony Tornado, aos 93 anos, disse que nunca havia recebido uma homenagem dessa. A lenda absoluta, Ruth de Souza, falecida em 2019, é uma das maiores atrizes brasileiras de nossa história e não recebia tantos convites para participar de eventos no Rio, quando ainda estava habilitada para tal. O plano inicial e essa fala da atriz, cria uma ligação direta para a abordagem da diretora, que está particularmente interessada em buscar nas memórias de Ruth não apenas sua história, mas um retrato sociocultural brasileiro ao longo das décadas, da ancestralidade e de um histórico racista no país.  

Além desse movimento, Juliana dirige algumas cenas que procuram representar a ancestralidade, utilizando-se de belas composições e cenários para procurar um dispositivo catalisador desse espaço que Ruth passou a ocupar, especialmente pela construção do documentário. E claro, outros trechos onde a atriz comenta situações onde disseram que não é possível haver artista negra, ela responde que vai ter. Mas esse bloco de cenas, apesar de acrescentarem à personalidade da protagonista, acaba fragmentando um pouco a construção do filme, quebrando um pouco o ritmo e suspendendo a imersão contextual. “Diálogos com Ruth de Souza” sofre com algumas dessas inserções, não pelas cenas em si, ou seus intuitos, mas pelo seu encaixe no todo. Não por acaso, o sentimento de que a transição se torna relativamente abrupta pode ser comum no espectador. Essa série de dispositivos tem se tornado comum nos documentários brasileiros, sendo um recurso de bastante poder para performar ou representar algo, mas quando utilizado sem uma construção minuciosa, dá a sensação de descontextualizado. 

Contudo, esses deslizes não transformam o projeto em algo falho ou problemático. Existem diversos momentos em que podemos compreender algumas frases como síntese da figura de Ruth, mas não de sua persona. É essa complexidade, e sua construção, que faz o público se emocionar com o filme, sempre em um misto de sentimentos, debulhando em lágrimas ou aplaudindo a força da protagonista. Evidentemente, existe uma margem de sensibilidade conforme a projeção avança, pela forma como o diálogo se transforma, aos poucos, em homenagem-despedida. 

A enorme sabedoria e vivência da atriz, catapultada por frases fortes como a definição de seu rosto, um misto de: Elegância, Melancolia e Raiva, são amplamente suportadas pelo material de arquivo, ainda que com algumas quebras de ritmo, como citado anteriormente, mas “Diálogo com Ruth de Souza” é um retrato belíssimo de um dos maiores nomes de nossa cultura. 

As cenas retiradas de outros filmes que ela participa, são complementos interessantes para um filme que é tanto um diálogo quanto uma homenagem. A admiração de Juliana, justa e notável, por Ruth é de uma beleza ímpar, capaz de encerrar a projeção com a maior parte do público em lágrimas, sem saber ao certo se por tristeza ou compartilhando o sentimento de Juliana. De toda forma, a falta de solidez na forma e um certo lugar comum em alguns momentos dessa construção, reforçam que o documentário consegue encontrar seus espaços e ser consciente de suas decisões, mesmo que elas sejam relativamente ambíguas. 

3 Nota do Crítico 5 1

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