Curta Paranagua 2024

David Contra os Bancos

David e Golias no mundo corporativo

Por Pedro Sales

David Contra os Bancos

Quando se fala em burocracia, uma das primeiras instituições a serem lembradas são os bancos. Para o sociólogo Max Weber, a burocracia era sobretudo uma forma avançada de organização administrativa, com base no método racional e científico. Hoje em dia, no entanto, a acepção possui conotação negativa, sinônimo de empecilhos e dificuldades que a população enfrenta em esferas da administração pública. Dessa forma, os bancos certamente se encaixam nessa definição. Existem muitas variáveis para decidir se alguém está apto para pegar um empréstimo, abrir uma conta, entre outras operações bancárias. Além de dificuldades e “burocracia” nesses processos, outra constante do universo dos bancos é, claro, a busca incessante por lucro, mesmo que signifique juros abusivos aos clientes, por exemplo. Como seria, então, um banco sem tantas burocracias e que o lucro fosse investido na população? Essa é a questão central de “David Contra os Bancos“. Apesar de parecer uma premissa fantasiosa para a realidade, a agradável dramédia dirigida por Chris Foggin baseia-se na história real de um homem inglês que ousou lutar contra o sistema.

O empresário Dave Fishwick (Rory Kinnear) auxilia a comunidade da cidade de Burnley por meio de empréstimos pessoais. Em razão dessa função, muitos amigos e clientes falam para ele abrir um banco. Dave gosta da ideia, mas a diferença entre ele e as grandes corporações é a destinação do lucro. Para o empresário, o dinheiro deve retornar à sociedade, portanto o lucro seria investido em instituições de caridade.  A tarefa, porém, não é fácil, principalmente porque nenhum novo banco tinha sido aberto na Inglaterra em 150 anos. Assim, a solução encontrada foi enfrentar o sistema com a ajuda do advogado Hugh (Joel Fry) e com apoio local, sobretudo da médica e sobrinha Alexandra (Phoebe Dynevor). Foggin estabelece desde o início do longa um evidente contraste entre Burnley e Londres. A população de 89 mil habitantes da pequena cidade equivale a um porcento da população londrina. Dessa forma, o advogado vindo da capital olha com desdém para a cidade e para o caso que assumiu. Neste sentido, o humor na introdução reside bastante nesse embate interior-metrópole. Hugh desgosta do lugar, em um primeiro momento, assim como a comunidade de Burnley o olha como um mero bloody londoner, maldito londrino.

O encadeamento de “David Contra os Bancos“, portanto, parte dessa situação clássica de se afeiçoar ao novo, para ambos os lados. O advogado, antes cético acerca do plano de criar um banco, compra a ideia quando vê todos os benefícios dos empréstimos e os futuros investimentos na comunidade. O enfrentamento contra o sistema londrino, o qual não quer a criação, é permeado por intrigas e reviravoltas que dão certo tom de imprevisibilidade à obra, mesmo que o público saiba com certeza qual será o final. Os burocratas aqui são representados com traços vilanescos, pessoas gananciosas. Em alguns momentos até se aproxima do limiar de simples caricaturas dos “banqueiros malvados”. Este maniqueísmo faz do filme quase um David e Golias do mundo corporativo. O único problema nisso é a assimetria nas tramas. Dave é deixado de lado, ao passo que Hugh, o advogado, exerce cada vez mais destaque e protagonismo no longa, que deveria ser sobre o “Banco do Dave”.

Embora o foco resida na luta pela criação do banco, o filme não se restringe a esse peso dramático. Na realidade, a rodagem possui exibe mais momentos leves, graciosos e engraçados. Dave é uma espécie de ídolo local e a luta dele se estende também aos cidadãos de Burnley. Em momentos de pequenos triunfos, o palco para festejos é um só: o bar do karaokê. As luzes vermelhas, as cervejas nas mãos e o canto em coro reforçam o senso de união daquelas pessoas. Assim, a direção de Foggin cria tais momentos em uma perspectiva clássica dos feel good movies. O romance “inesperado” é evidente desde o primeiro plano entre os dois e acaba sendo uma subtrama também típica. A capacidade de arrancar sorrisos também serve para o discurso triunfante no tribunal. O cineasta lida muito bem com a escala dos eventos, entende as diferentes dimensões de um julgamento em Burnley ou uma negociação na capital. Neste primeiro exemplo, por mais que a defesa seja enérgica, ela está em um lugar contido, não há intenções maximalistas de fazer da corte municipal um filme de tribunal, como o drama estrelado por Tom Cruise e Jack Nicholson, “Questão de Honra” – para aproveitar a piada dos personagens.

David Contra os Bancos” é um filme que aquece o coração do espectador com a mensagem de humanismo, otimismo e esperança. A intenção comunitária do banco mobiliza toda uma cidade para enfrentar os interesses dos grandes bancos, aqueles em que a burocracia e a ganância imperam. Apesar de uma narrativa bastante formulaica, que segue padrões claros desse tipo de filme, ainda sim este é um longa bastante honesto, uma vez que consegue efetivamente alcançar o objetivo. Por exemplo, os momentos emocionantes terão sim discursos impulsionados pela trilha sonora, o romance parecerá piegas e os “vilões” simplistas demais. Entretanto, vale ressaltar que tudo isso faz parte de uma tradição cinematográfica extremamente consolidada e bem sucedida. Por fim, destaca-se que mesmo se estruturando em tais padrões, o longa de Foggin ainda sim é consistente na sua proposta. É leve e divertido, uma clássica história de superação que esbanja um clímax bem construído, com tudo que tem direito: emoção, união e alegria ao som do rock de Def Leppard.

3 Nota do Crítico 5 1

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