Vida Selvagem
It's a Wildlife!
Por Lisandra Detulio
Durante o Festival de Sundance 2018
“Vida Selvagem”, que integra a mostra competitiva de drama do Festival de Sundance 2018, representa a estreia na direção do ator novaiorquino Paul Dano (que participou de mais de trinta e sete papéis – listados no IMDb, entre eles, “Okja”, “12 Anos de Escravidão”, “Os Suspeitos”, “Cowboys e Aliens”, “Sangue Negro” – e já produziu “Ruby Sparks – A Namorada Perfeita”). Seu debut bebericou nas narrativas, gêneros e na pluralidade temática para que fosse possível passar para trás das câmeras. Seu primeiro filme é sobre aceitar a vida como ela é, e conta a história de Jeannet (a atriz Carey Mulligan, de “Shame”) que mora numa cidade pequena em Montana e é aparentemente uma dona de casa “recatada do lar”.
Quando seu marido Jerry (o ator Jake Gyllenhaal, que está em “Okja”) perde o emprego e deixa a família preocupada, Jeanette decide procurar um trabalho e seu filho Joe. O machismo-orgulho fragilizado é acordado quando o homem da casa perde seu ganha pão e a família se desestabiliza. É sobre um adolescente de 16 anos que vê sua vida desmoronar. Primeiro porque precisa se mudar para Montana. Segundo, porque sua mãe se apaixonou por outro homem, pondo em risco um casamento de anos. Agora, além das crises típicas da idade, esse jovem terá que enfrentar sozinho muitos outros desafios.
Jeanette agora da aula de natação para adultos e Joe trabalha com fotografias, enquanto isso Jerry decide ir trabalhar como bombeiro para combater os incêndios que vêm acontecendo ao redor do estado. Jeanette não fica nada contente com a decisão de seu marido e parte do princípio de que há uma mulher no meio da história e de que ele não irá mais voltar. Ela é uma mulher solitária que dedicou sua vida ao marido e ao filho. Apesar de sofrer no primeiro dia de sua partida, logo busca retomar uma vida, para melhor. Para uma mãe, cuidar sozinha de um filho adolescente, quando o marido/pai decide ir embora para combater incêndios e talvez nunca mais voltar pois os riscos são grandes, suas opções parecem um pouco limitadas. Para ela Warren seria sua melhor oportunidade, a partir daí eles começam a se envolver e Jeanette envolve seu filho Joe na relação, o levando para jantares na casa de Walter ou levando Walter para sua própria casa correndo o risco de seu filho ver, Joe, nada confortável com a situação insiste em citar o nome do pai e acredita fielmente que ele voltara assim que começar a nevar.
“Vida Selvagem”, baseado no romance homônimo de Richard Ford, autor de “Independence Day”, é sobre recomeçar. É sobre tentar o equilíbrio e não perder oportunidades (como encontrar um homem bem sucedido, cuja esposa o deixou), que se apresentam urgentes, imediatistas, como únicas opções de salvação existencial e com individualismo-egoísmo radical. A constância do sofrimento da “vida selvagem” a aliena, mas a possibilidade de uma vida tranquila faz com que a cruel sobrevivência do “eu primeiro” seja aflorada e inquestionavelmente escolhida, sem volta, culpa e ou remorso. É o descanso. O respiro. A fuga de tudo, todos e dela mesma. Os outros (incluindo seu filho) teriam que se adaptar a suas novas regras de mudança.
Mesmo com os acontecimentos da ausência do pai, Joe (inocentemente esperançoso) tinha esperança se que as coisas poderiam voltar ao normal em casa. Sim, é intrínseco aos adolescentes o acreditar piamente em seus pensamentos, que são tão concretistas, que o “mal” não vencerá. Jerry apesar de ser um personagem calmo, algumas vezes fica explosivo. “Vida Selvagem” busca a espontaneidade autêntica da realidade. Tudo é crível, possível e coloquial, como o filho assistir o pai “afogando” as mágoas em um bar, e a vingança passional (que comete besteiras) de um “fracassado” ferido. Como já foi dito, é a vida como ela é, com seus acasos, imaturidades e um crescimento perdido em uma família moderna disfuncional. Entre consequências esperadas e projeções do não querer, mas do final que não se pode mudar, ele precisa lidar com a perda, a divisão familiar e se acostumar com uma nova vida desconhecida.
O final reverbera e nos presenteia com a redenção não convencional da felicidade em forma de carta, e com a poética cena de uma fotografia que diz resume suas emoções mais profundas e impossíveis de explicar. Ser adulto (na forma de pais) não significa ter tudo no lugar. É uma wildlife (vida selvagem) porque mesmo numa família aparentemente estável sentimentalmente, uma simples mudança corriqueira, pode descortinar e obrigar um novo começo. É uma wildlife porque os seres humanos erram, fazem equivocadas escolhas e perdem o controle das reações que nossas ações tomam. Nós somos assumidamente indivíduos errantes. Sim, é uma wildlife, mas em toda essa selvageria descomunal, bons frutos são gerados (como o exemplar comportamento do filho). Nem tudo que acontece é para a ruína.
“Vida Selvagem” é tecnicamente impecável. O iniciante diretor conduz seu público em uma narrativa sutil e sofisticada, principalmente pela direção dos atores (irretocáveis), ponto alto do longa-metragem, que nos estimula a uma identificação todo tempo com nossas próprias vidas, porque todos nós temos uma de vez em quando, ou na maioria de nossa existência, uma vida selvagem. E pela fotografia de Diego García, que usa paleta de cores junto com as localizações; e pelo figurino, que nos faz acreditar no tempo retratado do núcleo familiar nos anos sessenta, e pelo som do filme, que ajuda na imersão emocional da trama. É um ótimo filme, com um roteiro redondo e impecável. É com exemplos assim que acreditamos mais que talento vem de berço, e que quando é estudado, o resultado surpreende com uma absoluta maestria.