Viva – A Vida é Uma Festa
Um filme sobre viver as mortes
Por Fabricio Duque
É inevitável o espectador não referenciar a nova animação dos estúdios Pixar da Disney, “Viva – A Vida É uma Festa” com a animação “Festa no Céu”, de Jorge R. Gutierrez, uma jornada viva para não esquecer dos próprios mortos. A referência nesta versão atual é explícita por causa da aventura com inspiração no feriado mexicano do Dia dos Mortos. A narrativa busca dosar a naturalidade da emoção com o alivio cômico que constrange a sinceridade do outro como pausa no drama, à moda de seus padrões-sucessos
“Viva – A Vida É uma Festa”, de Lee Unkrich (de “Toy Story“), Adrian Molina, conta a história de Miguel (voz de Anthony Gonzalez (VIII) – “não é igual ao resto da família” e que tem “o espírito de um artista”), um menino “amaldiçoado” de 12 anos que quer muito ser um músico famoso (e “tocar para o mundo”), como seu “Papá” foi, mas ele precisa lidar com sua família que faz sapatos e que desaprova seu sonho (para proteger toda a família da maldição de se ouvir qualquer resquício musical). Determinado a virar o jogo, ele acaba desencadeando uma série de eventos ligados a um mistério de 100 anos. “Eu penso que nós somos a única família no México que odeia música”, diz.
O preâmbulo explicativo, que afetiva memórias, apresenta-se por gravuras animadas típicas de panos de prato com lembranças de sua avó, de descendência indígena, Coco, que acompanhou todos os momentos e brincadeiras de sua vida. Miguel ama a música (não é sua culpa), principalmente o “maior músico de todos os tempos” Ernesto de La Cruz (voz de Benjamin Bratt). O roteiro suaviza com o humor, mas não impede que tragédias mortais aconteçam.
Sim, “Viva – A Vida É uma Festa” é a trajetória da vida de Miguel, que aprende a lidar com seus sonhos, projeções do querer, lamentos e limitações enquanto trabalha como engraxate de sapatos. E é quando um cliente, um Mariachi, acredita em seu potencial, o estimulando a seguir seu dom e se apresentar na Festa do Dia dos Mortos, mesmo tendo que enfrentar a família (“tem que ter fé”), nós, o público, sentimos a humanização naturalista da emoção não impositiva pela trama. Nós sentimos o coração de Miguel pulsar mais forte e seus olhos brilharem. Neste início já percebemos a maestria inquestionável das características marcantes e únicas da Pixar.
“Apenas uma canção tem o poder de mudar um coração, nunca subestime o poder da música”, canta-se. Nós entendemos os motivos radicais e passionais desta proteção orgânica e não maniqueísta pautadas em tradições e oferendas ancestrais. Miguel, um otimista que nunca desiste, primeiro precisa esconder sua paixão, depois descobre segredos da família e por fim se rebela, necessitando vencer adversidades de estar no outro lado dos esqueletos com Héctor (voz de Gael Garcia Bernal) para “viver a magia de seu momento”.
“Viva – A Vida É uma Festa” capta a essência do tema, nos envolvendo em um animado, direto, verdadeiro, fantasioso e existencialista universo adulto e de burocracia social (não há oferendas a Frida Kahlo) por um câmera-mosca que passeia com ritmo e edição cadenciada à moda de “A Noiva Cadáver”, de Tim Burton. Retrata-se espontâneas idiossincrasias típicas e inerentes do povo mexicano, sem julgamentos, racismos e preconceitos. Tudo que querem é ter a audiência em suas performances de diversos gêneros musicais. É o show de talentos. O The Voice dos mundo dos mortos. O Studio 54 da esperança.
Aqui, igual a “Festa no Céu”, é sobre não esquecer dos entes queridos que já morreram e sobre a “morte final”. É sobre persistir acreditando no talento que cada um possui. É sobre sobreviver no mundo hostil dos humanos, que elevam suas individualidades sem escrúpulos para vencer a qualquer custo. É sobre perceber a realidade nua e crua dos traumas, sofreguidões, desânimos e de uma minúscula resiliência ajudada pelo acaso dos guias espirituais na resignação eterna, na felicidade redentora e na poesia afetuosa.
“Viva – A Vida É uma Festa” é sobre luzes que se apagam. É sobre a luta para fazer parte. É sobre resolver as pendências do passado. É sobre estar em paz. É sobre o sacrifício para que um continue existindo. É sobre viver após morrer. “Nada é mais importante que a família”, diz-se. Neste parte é impossível não se emocionar e não chorar. Sim, a Pixar sabe, cirurgicamente, despertar nossas emoções mais primárias e “investe” na educação mais humanizada das crianças, as tornando fortes, menos sensíveis dramáticas e mais integradas com a realidade em que vivem. Viva a Pixar! Então, lembre sempre de quem você ama.