Também estamos à deriva
Por Fabricio Duque
Cada vez o cinema americano, em sua maioria, imbuído das características padrão de sua narrativa, procura conservar a zona de conforto, repetindo fórmulas com seus gatilhos comuns, seus clichês motivacionais, seu tom romântico sentimentalista, suas reviravoltas no limite de vida e morte, e sua força descomunal (que “vence” a lógica e a física) de conseguir o final feliz, tudo pululado de artifícios sensoriais para assim criar no espectador uma subjetiva imersão de entretenimento experienciado, como uma atração de um parque de diversões.
“Vidas à Deriva” segue à risca todos estes elementos, elencando um a um de forma sistemática. É um filme de gênero sobrevivência, que intercala digressões ao longo da trama contada por detalhes-piscas (facilitadores a fim de terminar de montar as peças de um quebra-cabeças). Dirigido por Baltasar Kormákur (de “Evereste”, “Dose Dupla”, Contrabando”), um islandês que resolveu embarcar na estrutura pura e simples hollywoodiana.
O longa-metragem, adaptado do livro “Red Sky in Mourning: The True Story of Love, Loss, and Survival at Sea”, escrito por Tami Ashcraft (que contou sua experiência traumática dos acontecimentos reais – e que no final do filme aparece em fotos de arquivo), veleja o espectador pela aventura e pelo amor. A personagem americana conhece o personagem inglês e se apaixonam. O roteiro é conduzido pelas lembranças e por alucinações. É uma história de instantes, de fragmentos lembrados. E de uma “voz que fez continuar”. E não desistir após mais de quarenta dias à deriva no mar.
O casal Tami Oldham (a atriz Shailene Woodley, de “A Culpa é das Estrelas”, e da franquia “Divergente”) e Richard Sharp (o ator Sam Claflin, de “Como Eu Era Antes de Você”, e da franquia “Jogos Vorazes”) partem numa viagem do Taiti até a costa do Pacífico, a bordo de um veleiro, e enfrentam uma terrível tempestade ao serem surpreendidos por um dos piores furacões da história. Quando Tami acorda, encontra Richard gravemente ferido e seu barco em ruínas. Sem esperança de resgate, ela deve encontrar força e determinação para salvar a si mesma e o único homem a quem realmente sentiu algo (pela intimidade de passados contados, pela verdade das histórias, pela falta de jogos de sedução e pela “flor do amor”).
“Vidas à Deriva” é uma típica obra realizada ao público americano, que desde sempre compartilha de uma existência regada à encenação, com seus alívios cômicos, momentos de ação, sortudos salvamentos da personagem principal, suas doses emocionais, seus romances açucarados por piegas sentimentos e com suas manipulações construtivas quase binárias de inserir tempos e conflitos objetivando não dispersar o público.
Outro elemento em voga no comportamento político-correto-social, e utilizado no filme, é a presença da personagem feminina: forte, aventureira, auto-suficiente, inteligente, perspicaz, descontraída, livre, nômade e sobrevivente como no seriado “MacGyver”, transpassando barreiras à moda de “Até o Fim”, de J.C. Chandor (com Robert Redford); de “Titanic”, de James Cameron (uma alusão à cena final com Kate Winslet); e por que não, “O Riquinho”, de Donald Petrie (substituindo o humor pelo melodrama romântico). Tami é quase a amazona “Mulher-Maravilha”.
“Vidas à Deriva” como foi dito é uma experiência entretenimento. Que conjuga gêneros que agradam gregos, troianos, namorados e namoradas. Há plenitude da felicidade a La Disney (com pontuações espirituosas realistas) e há a ação propriamente dita que gera o susto e a aflição. Nós somos levados a torcer pela vida, pelo resgate, pela continuação da existência na Terra, pela “manteiga de amendoim” e pelo recomeço.
Contudo, a direção fica à deriva, optando pela facilidade óbvia e pela liberdade poética da tragédia. A necessidade dos consertos (do barco, por exemplo) acontece de forma simplória e simplista, quase preguiçosa. Seguindo um roteiro pré-definido de uma fórmula confiável ao sucesso. E assim, o público fica à deriva, aceitando o mínimo e sendo cúmplice para acompanhar seu querido amado e ou querida amada na sessão de cinema em um sábado à noite no shopping mais próximo com um combo pipoca mais refrigerante que dure os noventa e oito minutos de duração.
2 Comentários para "Crítica: Vidas à Deriva"
Crítica perfeita
Obrigado! <3