A típica utopia dos jovens
Por Fabricio Duque
A arte cinematográfica possui múltiplas vertentes e cada uma simboliza um objetivo e um propósito. A maioria dos filmes que a compõe segue pelas limitações à margem, fazendo com que seus realizadores briguem mais pelo conceito em detrimento da forma. Assim, este cinema é mais urgente e mais utópico às ideologias das crenças político-sociais. “Verão em Rildas” integra esta seleção de obras que inicialmente não conseguem uma óbvia definição, visto por seu hibridismo de conjugar a ficção encenada e o documento da realidade, construindo uma metalinguagem que quer a confusão da percepção do espectador, tudo para conservar, radicalmente, a própria autoralidade do que se assiste.
“Verão em Rildas” é um estudo de investigação jornalístico (quando transforma atores personagens em depoentes reais), e, também, uma crítica à prefeitura, que deveria apoiar a população e não se comportar como uma empresa capitalista. É um filme que “tenta fingir o que pode”. Sua narrativa nos conduz pela técnica mais amadora, em que as fragilidades técnicas estão superexpostas, do som direto captado à pós-produção (com a dublagem), passando pela estrutura caseira que imprime uma criação artesanal, portanto mais solta. O discurso é muito mais importante, afastando a precisão da técnica.
Contudo, toda esta aliteração é perigosa, porque pode soar mais como uma preguiça que um estilo próprio. Nós somos imersos na liberdade de suas personagens, que vivenciam plenamente suas existências dotadas de uma extrema confiança à esperança desmedida. São jovens e se comportam como tal, pululando imaturidades como características dominantes. Há uma inocente pureza do acreditar, de que tudo ainda é possível. De que uma festa é só uma festa. Que serve para divertir e integrar. É um filme que questiona o que é a arte como uma forma de representação cultural, de luta pelo corpo, um instrumento político para protestar e expandir percepções de indivíduos ainda limitados (não ignorantes, mas sim mitigados de novos conhecimentos).
Dirigido por Daniel Caetano (co-diretor e produtor de “Conceição – autor bom é autor morto” (2007) e “Rio em Chamas” (2014)”), a trama versa sobre a intimidade coletiva ao abordar influências político-sociais de um grupo de jovens como alunos, em processo de construção. Diante da iminente partida de um integrante do grupo para o exterior (“um exílio” desejado por ele mesmo), tendo ainda o desafio de desenvolver os estudos do curso de Produção Cultural do campus da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Rio das Ostras, na região dos Lagos, no Rio de Janeiro, um grupo de jovens estudantes resolve promover um festival de artes. A partir da organização do evento, dos dilemas e obstáculos enfrentados pelos alunos e, claro, das festas, as dores, anseios, dificuldades e as diversões da vida universitária vivida nas faculdades abertas pelo interior do país.
Além de mostrar os bastidores por trás da organização do Festival Ostras Coisas, o filme contextualiza o momento vivido pela cidade, abordando temas como violência contra mulher, insegurança e machismo. Outro ponto de destaque da produção é a polêmica Xerek Satânik, nome criado pelos próprios estudantes para uma festa que se realizou em maio de 2014, em seguida ao encerramento de um curso que se dedicava a estudar o tema “Corpo e resistência”.
Após uma performance que envolvia a inserção de uma bandeira na vagina da artista, o evento foi alvo de inquérito da Polícia Federal e investigação realizada pela própria universidade, gerando um debate acalorado entre conservadores e liberais. Apenas no último dia 17, quatro anos após o evento, o Ministério Público Federal arquivou o processo considerando a festa uma “manifestação artística”.
“Verão em Rildas” resgata a nostalgia, pausando o tempo dos bons momentos. Dos encontros, dos passeios à cachoeira, dos violões na praia, da naturalidade didática explicativa de se fazer a pizza perfeita (com o ingrediente secreto da cerveja). De ouvir Jards Macalé cantando dentro e fora da casa. Do tempo livre sem as responsabilidades da ainda fase adulta. É a transição da ingenuidade. De invencíveis super-heróis a máquinas sociais pautadas no capital diário nosso de cada dia e cada necessidade. Eles vivem um mundo contraditório. De potencializar impulsos humanitários e ter uma certeza de espaço interiorano de não expandido. Seus olhos captam a praticidade do existir, e o filme entende isso, integrando a cidade, não como cenário, mas sim como militância participativa do cotidiano.
O longa-metragem cria uma condução descontínua ao trazer a realidade discutida para a ficção teatralizada, por meio de atores que são participantes proativos da própria história do que se quer abordar. Não há um só caminho observado. O espectador pode ampliar a experiência pela pluralidade subjetiva, que se encontra na identidade individualista de todo e qualquer ser humano enquanto indivíduo social. Alguns entenderão a premissa e o real objetivo. Outros acharão amador. Tudo porque é um filme de urgência, de guerrilha imediatista, de luta particular. Já foi dito no filme “Ilha”, de Ary Rosa e Glenda Nicácio, exibido no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2018, que “foco errado também é estilo”. Depende. É relativo. Cada caso é um caso. Neste sentimos que a pressa dominou a técnica, que a qualidade imagética e sonora foi trocada pelo discurso pragmático da luta política. Há um que de “Sigilo Eterno”, de Noilton Nunes, pela presença exacerbada e hiperbólica do desejo de ligar a câmera e fazer.
Toda essa polêmica tinha Rio das Ostras como cenário. Por conta do seu crescimento (graças aos royalties vindo da extração de petróleo, foi a cidade que teve proporcionalmente o maior crescimento populacional em todo o país na década de 2000), o poder municipal propôs para a UFF a criação de um pólo universitário na região, em 2004. A criação do exame nacional do ENEM permitiu que estudantes de todo o país pudessem escolher estudar nos cursos da UFF em Rio das Ostras desde então, criando um ambiente universitário numa região pouco urbanizada de uma cidade jovem e violenta – explica o diretor.
Contando atualmente com mais de mil estudantes, os cursos da UFF de Rio das Ostras ainda hoje convivem com a constante precariedade de condições de estrutura básicas, a ponto de manter há vários anos diversos contêineres alugados que são usados como salas de aula e afins. Por isso, o campus ainda se mantém sob o risco de ter seus cursos fechados.
“A geração retratada no filme é justamente a que enfrentou aquela polêmica e desde então briga pela sobrevivência do curso, ainda hoje sob o risco de ser fechado. Quando apresentei a primeira versão do roteiro, partiu deles a sugestão de incluir o episódio da performance no filme que decidimos fazer”, finaliza o diretor.