Curta Paranagua 2024

Crítica: Um Perfil Para Dois

Um abraço carinhoso na velhice e na juventude

Por Bruno Mendes


É fácil ler por aí que “fazer rir é mais difícil que fazer chorar”. Pensando bem, a afirmação faz todo o sentido, afinal, com mais ênfase que o drama ou qualquer outro gênero, o gatilho cômico de distintas obras, dá certo ou não, a depender da personalidade, experiência de vida, referências culturais e tudo o que não se sabe sobre cada indivíduo. E, muitas vezes, mesmo quando há sintonia entre o produto cultural e o espectador, a graça não vem em razão de uma série de problemas na concepção artística.

O despretensioso e inteligente “Um perfil para dois” (do diretor Stéphane Roblin) escapa de ingratas e frequentes armadilhas e evolui com elegância ao tratar da história do aposentado e viúvo Pierre, que não sai de casa há 2 anos e que por indicação da filha, passa a ter aulas de informática com o jovem Alex, que namora a neta de Pierre sem ele saber. Entre assombros após o contato inicial com a “nova tecnologia”, o viúvo descobre um site de relacionamento e lá conhece Flora uma moça de 31 anos que deseja encontrá-lo pessoalmente após ficar encantada com a seu romantismo e sensibilidade. Porém, a foto de perfil usada por Pierre, é do professor de informática e este é chamado para conhecer Flora no lugar do septuagenário.

O velho é a voz da prudência, do intelecto e argúcia acumulados desde os tempos pré-virtuais, habilidades que encantam as mulheres e, muito provavelmente, estão em falta entre os moços de hoje. O jovem é inseguro, inquieto, mas ganha bônus com o vigor físico e certa ousadia. Sabe que no século XXI não há problema em ser “rápido demais” e transar no primeiro encontro. As oposições se adequam e os conduzem.

Sem delongas, “invencionices” narrativas ou destaques exagerados à subtramas que pouco acrescentam à história principal – aqui a trama secundária sobre o conturbado relacionamento de Alex com a atual namorada é explorada de modo adequado e auxilia positivamente na construção da personalidade do rapaz – o filme abraça a ideia comumente utilizada por outros do gênero comédia da “mentirinha para solucionar um problema, que tende a dar errado e causar uma grande confusão que pode envolver terceiros”. No entanto, o longa francês aposta na inteligência dos diálogos e na sábia construção dos personagens, gerando o efeito cômico a partir de situações plausíveis ao público. comum.

Pierre, ainda que carregue saudades da antiga esposa e, de modo geral, mostre-se desanimado com a vida, mostrando procrastinação ao deixar a casa desarrumada, não tirar comidas velhas da geladeira e sempre usar um casaco velho e fedido, muda de atitude após a recente troca de afetos virtuais.

Já Alex, está no grupo desses sujeitos considerados “fracassados” pelo establishment: não tem emprego fixo, é financeiramente sustentado pela namorada que o despreza e rejeita a busca por um “emprego de verdade”, pois é fiel à ideia de ser roteirista e dela não desiste. Embora vivenciem percalços diferentes, ambos estão deslocados de uma realidade pela qual são aceitos e respeitados e este fato estabelece um vínculo interessante. Em determinada cena, por exemplo, Pierre confessa “ainda bem que tenho você, não aguento mais ser sozinho”.

A frase acima pareceu “sentimental demais” e retirada de um “filme triste”? Sim, “Um perfil para dois” é intimamente sério e o ambiente de desconforto dos personagens é real, mas o roteiro coloca a lente de aumento em cima das possibilidades cômicas dos acontecimentos que os envolvem e – como mérito desta produção – não há ínfimo escorregão melodramático.

Harmonicamente imbuídos da atmosfera romântica de Paris (perdoe-me o inescapável lugar-comum desta observação), todos os envolvidos no drama/romance/comédia desta “confusão cômica” perfeitamente roteirizada, são beneficiados pelo encaixe de possibilidades pelo qual o destino e cliques os proporcionaram.

A obra trata de família, saudades de amores passados, descobertas da possibilidade de amar novamente e observa com finesse o mal estar da velhice e da juventude em tempos de falta de empatia daqueles que supostamente estão mais próximos e sabe o que é melhor ? Ri de tudo isso com muito charme e despudor. Segue no cinema ( e logo mais em DVD/Blue Ray) uma singela homenagem – provida de amor, humor e muita inteligência – à todas as fases da vida.

4 Nota do Crítico 5 1

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