O funeral de um filme
Por Fabricio Duque
É preciso que o gênero cinematográfico, uma padronizada e analítica cartela de características típicas, e um delimitador elemento de máxima importância (talvez a principal), seja levado em consideração (e, acima de tudo, respeitado) por todo e qualquer espectador no momento de sua escolha. E principalmente, ainda mais necessário, que a análise crítica não busque impor novas condições e sim construa racionalmente um canal de entendimento mútuo.
Mas também todos nós sabemos que essa mitigação da subjetividade torna-se utópica sobre alguns exemplos fílmicos, que conseguem potencializar o mergulho dos detalhes subgêneros. Se positivos, o público ganha uma obra-prima, contudo, se o caminho é inverso, então perdemos um tempo que não volta mais. Pois é, a vida é feita de escolhas e tudo começa com o querer do diretor, o responsável total pelo sucesso e ou fracasso.
Este preâmbulo divagou para tentar explicar que talvez nem todos os filmes possam ser salvos. “Um Funeral em Família” é um deles. Não somente por nos conduzir pela narrativa palatável do humor pastelão, infantilizado, ofensivo, descuidado e de piadas prontas e clichês, em uma direção preguiçosa, mas essencialmente porque o roteiro quer transformar fragilidades em resultados, sem respeitar nenhuma partilha neurológica da inteligência do espectador.
Logicamente, há a percepção de que o gênero de comédia popular deve ser assim, só que esse limite tênue entre a perspicácia da picardia e a facilidade da graça reverbera aqui a sensação de destrutiva bomba, fazendo com que infiramos à máxima de um comercial antigo, cujo slogan era “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é e fresquinho porque vende mais”. É a eterna questão do “quem veio antes: o ovo ou a galinha”.
Será que essa estrutura do gosto popular foi causada por recorrente condicionamento de naturalizar o fácil e afastar o estudo do complexo? “Um Funeral em Família” não só representa apenas um incômodo, e sim um desenho antropológico do mais pobre que há nos seres humanos. Em um desconfortável e filmado Stand Up.
Madea e seus companheiros achavam que estavam indo para uma reunião de família como outra qualquer. Porém, tudo se transforma em um pesadelo quando de repente eles precisam planejar um funeral no meio de sua viagem a Georgia.
“Um Funeral em Família” busca referência em comédias consideradas awkward (de estranho constrangimento), em que um ator encarna por meio da maquiagem inúmeras personagens, muitas das vezes em uma única cena, como as de Eddie Murphy: “Norbit – Uma Comédia de Peso”, de Brian Robbins, que apesar de ser o grande vencedor no Troféu Framboesa (prêmio dos piores do ano), obteve sucesso comercial na bilheteria; e “O Professor Aloprado”, de Tom Shadyac. Sem esquecer o filme “Vovó… Zona”, de Raja Gosnell.
O longa-metragem é dirigido por Tyler Perry (de “Acrimônia”), que também interpreta Madea, Joe, Brian e Heathrow, núcleos mais cômicos e politicamente incorretos. O ator-diretor, comediante da série “The Tyler Perry Show”, e que, desde 2012, aborda a personagem Madea (que se desdobraram em tramas de “Madea’s Family Reunion”), uma fuga fantasiosa de sua pessoal, marcante e abusiva infância, que serve de verdade “marionete”, uma crítica a uma racista sociedade branca.
“Um Funeral em Família” tem estrutura de novela, em seus núcleos corais que se encontram pela ligação familiar “sacos de farinha”. É um cômico retrato particular pelo artifício do confronto por um elenco negro que quer a paródia tosca e vulgar mais que despertar aprofundados conteúdos sociais quando estereotipa “reações típicas dos negros” (frase esta dita explicitamente no filme) e suas idiossincrasias (como a voz “vibração sexual” de máquina saída dos “sonhos arruinados de um aleijado” de “colocar tinta no coelho dela”).
Não, definitivamente não há graça, mas uma “forçação de barra”. Nem para ser politicamente incorreto (apesar das “transgressões dos velhos tarados piores que crianças”). Só piadas de “flatulência e mamilos duros” e moralistas com “peles de animais”. O filme não sabe para onde ir. Nem onde colocar Mike Tyson. E inclusive é auto-racista com seu humor preconceituoso que ao invés de crítica, soa aceitável e promissor, como por exemplo nas diferenças de um “enterro de negro e de branco” (“Negros levam doze dias e não dois para enterrar”, explica-se).
É também sobre lavar a roupa dos segredos das traições na família. Por esquetes de uma comédia de situações. São “sujos falando dos mal lavados”. Cada instante que passa mais mergulha ladeira abaixo destes “ignorantes sem classe” (hipócritas, egoístas e “objetos sexuais”). E faz com que “Debi & Loide – Dois Idiotas em Apuros”, de Peter Farrelly, seja um clássico e Eddy Murphy o ator mais incrível da face da Terra, quiça de toda a Galáxia.
É o caos total nas manhãs e noite agitadas. E principalmente pelos erros de continuidade do atropelado filme (gritantes, como uma fácil caça ao tesouro – talvez por isso valha a pena assistir e perder horas significantes). E ou pelo cliché de uma lágrima solitária de um olho só em um grande momento de confusão. E ou o caso do “viagra do morto”. E ou as expressões “Zoolander” de ser. Por favor, poupe-nos! Sabemos que todos os seres humanos são pecadores, mas este é um fardo muito além do aguentável. Não merecemos tamanha tortura psicológica. O que nos fizemos a vocês, caros roteiristas?