Um Silencioso e Naturalista Ciclo da Vida
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2016
A máxima de que “menos é mais” é amplamente pertinente em número, gênero e grau na animação “A Tartaruga Vermelha” dos estúdio japonês Ghibli (que produziu “A Viagem de Chihiro”). Aqui, a narrativa é sem diálogos, mas em hipótese nenhuma, silenciosa, pelo contrário, toda a força está na metáfora fábula em traduzir a complexidade das relações humanas pela mensagem poética, simples, sutil, intimista, delicada, incisiva, livre, e de uma sinestesia sensorial (principalmente por câmera que nos transforma em ilhados, ora subaquática, ora contemplativa).
A fantasia, em tom mudo e por um mangá mais realista, apresentada é sobre a jornada-épica filosófica de um homem, que após sofrer uma tempestade, acorda, náufrago (no melhor estilo Tom Hanks – impossível não referenciarmos ao filme hollywoodiano) em uma ilha deserta (um lugar visualmente lindo e perdido). A natureza causa medo no início, tudo por causa de seu despreparo condicionado à facilidade.
Lá ele consegue se manter, através da pesca, e tenta construir uma jangada que lhe permita deixar o local. Só que, sempre que ele parte com a embarcação, ela é destruída por um ser misterioso. Logo ele descobre que a causa é uma imensa tartaruga vermelha, com quem manterá uma relação inusitada. Há quem veja egoísmo para curar a solidão. Outros, um calmante e surreal comprometimento.
“A Tartaruga Vermelha”, do estreante em longa-metragens Michael Dudok de Wit (um dos animadores da equipe de “Fantasia 2000”) que integra a mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2016, faz com que o espectador sofra as dificuldades de seu protagonista em sobreviver a uma luta diária de se reconectar com o novo meio imposto. Se em “Náufrago”, de Robert Zemeckis, tínhamos o simbolismo da fuga em “Mr. Wilson”, aqui, o realismo fantástico encontra a forma humana personificada em uma tartaruga vermelha.
Uma das características da animação é a forma desdobrada na liberdade poética, em que tudo é possível. De um lado a barba, o ritmo da vida natural do tubarão e do caranguejo estimula o querer da fuga, e entre tentativas frustavas, mas não desistentes, é cada vez acostumado (tornando-se parte) mais ao conceito da regurgitação social, reverberada pela opereta japonesa clássica de catarse cirúrgica existencialista, ora pelos violinos que exacerbam o etéreo e a felicidade plena do amor.
“A Tartaruga Vermelha” mergulha em cores, nuances e camadas filosóficas a fim de criar o paralelo com a vida. A tartaruga que se transmuta em uma mulher, talvez loucura (e ou sonho, projeção, alucinação) da massificação temporal, tranquiliza, acalma e perpetua a espécie de Adão e Eva, pincelando momentos e tsunamis de salvação (e impotência) à moda de “O impossível”, de Juan Antonio Bayona.
O filme é sobre o ciclo da vida. Sobre nascer, viver, sair de casa, envelhecer e morrer. Sobre gerações. Sobre perdas. Ganhos. Sobre pequenos momentos. Sobre a diversão dos mínimos detalhes. Para ser feliz não se precisa de muito, apenas aproveitar quanto pode e ajudar no crescimentos dos filhos. “A Tartaruga Vermelha” é acima de tudo sobre a vida, transmitindo a mensagem de que o importante não é o fim, e sim o caminho percorrido. E assim, prova-se que nossos quereres são descartados dentro da força do universo. E que nem sempre algo terminal é negativo e ou prisioneiro.
“A Tartaruga Vermelha” está indicado ao Oscar 2017 na categoria de Melhor Animação.