Taego Ãwa

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Retratos Indígenas, Políticos e Intimistas

Por Fabricio Duque

De um tempo para cá, o cinema brasileiro está mais preocupado com a repercussão humanizada e de existência político-social do povo indígena que abordar um simples documentário antropológico etnográfico. Em “Taego Ãwa”, exibido na Semana dos Realizadores, dos diretores irmãos do estado de Goiânia, a questão é aprofundada por um estudo de caso, investigando e documentando as mico-ações do dia-a-dia de uma comunidade indígena (inclusive as iguanas, as galinhas e até mesmo os “cachorros preguiçosos”), e assim personificando seus sonhos, lutas políticas, pseudo-liberdades, origens, rituais, crenças e seus progressos (pois percebemos a presença de antena satélite, ocas com tijolos um índio na terceira idade com uma bengala e um outro com a camisa 10 da Seleção Brasileira com o nome de Kaká). “A Funai pegou tudo e tirou nossa terra”, o discurso reclamado daqui conversa com a narrativa do documentário indigenista épico “Martírio”, de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tatiana Almeida; e com o curta-metragem “Abigail”, de Isabel Penoni e Valentina Homem.

“Taego Ãwa” busca, como um retrato intimista, recuperar a essência do ser indígena, tanto que o filme é na língua nativa, e legendado a nós espectadores. Na comunidade com telefone público, a espera é de cinco minutos. Os mais novos falam a língua portuguesa, muito pela influência externa flexível que os mais idosos preferem mitigar, conservando ao máximo, até quando der, a própria cultura. A narrativa, que é intercalada por notícias que saíram nos jornais sobre “índios negros”, por fotos antigas e muitos vídeos de arquivo, denuncia o massacre indígena. Em algumas imagens, os índios nus e o branco de bermuda. E lida com a batalha das “terras demarcadas”, com os bichos integrados e os “mimos” (facas e espelhos) que este povo ganhou.

O documentário é pululado de “causos. Como a do ancião que conta a história de quando os brancos o levaram para um lugar com muitas abelhas. Somos imersos em uma vida simples (pintura e faixa com jenipapo), ruralista com a natureza ao redor, mas adequada ao presente, pois percebemos que até mesmo o ritual (antigo) filmado é encenado à câmera, soando datado, caricato, retrogrado e vintage. Nos homens, a tinta é passada sem economia, nas mulheres, somente o espirro, fazendo com que elas fiquem com pontos coloridos na pele. Mas nem todos querem participar. Uma recusa. Na dança, são selvagens, mas apenas por simbolismo.

“Taego Ãwa”, sobre o tempo dos velhos e dos novos (explícito pela música), também questiona a sexualidade reprimida. Quando um idoso tira a calça e fica nu, por “não ter vergonha de mostrar o pênis”, todos ficam incomodados e envergonhados. Sim, eles já perderam a essência. Já foram abduzidos pelo sistema que diz que eles precisam usar roupas. Que a nudez é pecaminosa. E possuem um desconforto (alergia) ao lidar com a natureza. Não matam mais veados com flechas.

O documentário é um exercício observatório de contemplação. Nós somos introduzidos nas festas locais (a “Lambada” de Beto Barbosa”) e nas exibições de cinema, em que assistem mais filmes sobre os índios, eles mesmos, e sobre o “desenvolvimento” progressivo do Mundo. Em determinado momento, os índios protestam em Brasília, no Congresso Nacional com a camisa “Pec 215 não”. E entre lembranças, expectativas, projeções de futuro (ainda que seja pelo conformismo), todos desejam que o branco os ajude a ter um lugar decente para morar.

“Eles querem um mundo inteiro para ser área indígena. Um branco sai da ilha, vai a outro lugar, e os índios vão atrás. Chegam mais índios querendo mais direitos. Eles não fazem nada. Não trabalham, tem televisão, diversão e agrados”, diz um branco dono de fazenda, quando a câmera faz questão de estender o foco gerando o desconforto.

“Taego Ãwa” tem seu final encenado. Os índios atravessam cercas. “Se estão tão integrados, por que a cota? Para remover uma culpa?”, o branco alfineta mais um pouco. Eles, os “originais” lutam pelo último refúgio. Uma necessidade de manter suas tradições. Concluindo, altamente recomendado. O longa é um dos participantes do 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

“Cinco fitas VHS encontradas no armário de uma faculdade disparam o desejo desse filme. Anos depois, munidos de mais registros, vamos ao encontro dos Ãwa na Ilha do Bananal. Levamos conosco a memória do desterro ao qual foi exposto o povo Tupi que mais resistiu à colonização no Brasil Central. As imagens foram vistas, sentidas e mais imagens surgiram desse encontro em meio à luta por Taego Ãwa”, os diretores.

4 Nota do Crítico 5 1

Pix Vertentes do Cinema

  • Gostei muito do longa também. Mas não vi isso de que “eles perderam a essência”. Acho que isso de pensar que eles tinham uma essência e que, porque usam camisetas da seleção brasileira , perderam é mais uma incapacidade dos não indígenas de entenderem que o modo de vida do povo Awa (assim como de outros povos) foi modificado após o contato e de uma maneira muito violenta (a integração não foi uma escolha). Não perderam a “essência”, sabem muito bem o que são e que suas terras foram invadidas, por isso se organizam e pedem que seus direitos sejam respeitados. Não se trata de pedir ajuda e sim de exigir justiça. Precisamos refletir sobre os índios do presente e não pela lógica da aculturação. Os indígenas como nossos contemporâneos, que mesmo compartilhando de vários elementos de nossa cultura, cultivam seus costumes, sua língua, sua pintura, outra relação com o que chamamos de “natureza” e etc. Essa integração forçada infelizmente criou essa vala entre índios e não índios. Acho que estamos em um outro momento de contato e “descoberta” e que temos muito a ganhar, todos, reconhecendo e valorizando os indígenas que são, apoiando o direito de que possam viver melhor em suas terras ao invés de “estigmatizá-los” como sendo menos índios só por eles não serem mais o que eram.

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