Um Wim Wenders que afunda
Por Fabricio Duque
Cada vez nós percebemos explícitas transformações na estrutura mundana em que vivemos, principalmente no cinema, que mitiga espaço à simplicidade narrativa. A maioria de seus diretores, a “velha guarda”, sentindo um incômodo com a atualidade e com a aceleração temporal, aprisionam-se no limbo e no limite tênue da necessidade de se conectar com a modernidade e da enraizada vivencia nostálgica da essência cinematográfica, pura e clássica. Vive-se entre a incompatibilidade da reinvenção e a retrógrada técnica de se construir. O realizador alemão Wim Wenders integra esta lista, mesmo depois de icônicas obras, como “Anjos do Desejo”, “Paris, Texas”, “O Amigo Americano”, “Buena Vista Social Club”.
Em seu mais recente filme, “Submersão”, o diretor comprova a máxima de que não é sempre que se faz gol, criando um thriller, uma narrativa novela mais americanizada (plano e contra-plano), com seus palatáveis gatilhos comuns (o biquini e a lágrima de um olho só, por exemplo). Com seus cortes rápidos, com suas músicas que impedem o silêncio de acontecer, com suas digressões explicativas do passado, com suas corais histórias intercaladas. É uma condução simplista, quase preguiçosa, de nivelamento ao superficial. É uma tentativa de criar uma imersiva, paralela e íntima metáfora entre o amor, o hiato existencialista e a descompressão da arte de mergulhar, com sua câmera ora subjetiva que aproxima e afasta indicando focos a nossos olhos.
Danielle (a atriz sueca Alicia Vikander, de “O Amante da Rainha”, “Ex-Machina: Instinto Artificial”, “A Garota Dinamarquesa”, do novo “Tomb Raider” – que lembra em muito a atriz brasileira Nanda Costa) é uma exploradora do oceano que descobre um novo desafio: uma terrível, porém pioneira, descida ao abismo Ártico. James (o ator britânico James McAvoy, de “X-Men: Primeira Classe, Apocalipse e Dias de Um Futuro Esquecido”, “Fragmentado”, “Em Transe”) é um empreiteiro acusado de ser um espião e interrogado por jihadistas africanos. Encarando missões de vida ou morte, os dois precisam confiar na conexão emocional do relacionamento. Da Islândia a África, na Somália, passando por descansos em hotéis resorts (e suas vistas incríveis de suas belezas naturais).
“Submersão” é sobre a aceitação da solidão. Sobre a adaptação ao “planeta”. Sobre a “vida oceânica”. Sobre a “ciência do mar”. Sobre as “cinco camadas do oceano”. Sobre a ingenuidade do inocente acreditar. Sobre o conflito do fundo do mar versus a realidade do mundo. Sobre vivenciar a paranoia do mundo com suas “bombas na Europa que não param”, espiões em museus de arte (que dão “bandeira” com suas conversas que incluem fotos e alvos), com a certeza de que a nova missão “não é o Afeganistão”. James é um quase um agente 007 em uma “Missão Impossível”. “Nairobi é perigosa às vezes, mas tem seu próprio brilho”, diz-se.
É uma história de amor regada com Whisky japonês. Eles estão no mesmo lugar. A chegada é direta, “ardilosa”, urgente, cooperada, desesperada nos olhos, sussurrada e com momentos espirituosos (de humor gracioso). São dois adolescentes ardentes precisando de uma “relaxada” de seus cansativos trabalhos. Mas tudo é apresentado fora de tom (principalmente quando tenta ser sério na banalidade) em interpretações anti-naturalistas, teatrais, de efeito, pretensiosas (quando tentam se comportar como naturalistas), sem emoções e ou sutilezas, encenadas, infantilizado, forçadas, de amadora cumplicidade para com o espectador, desengonçada pela não combinação da música clássica e pela troca dos diálogos (“Qual seu oceano favorito?”) de verborragia sobre informações técnicas.
A música é realmente um elemento que incomoda. Quer ser personagem principal, roubar a cena e manipular o caminho. É um roteiro frágil, puritano e politicamente correto. Que permanece na zona de conforto sem maneirismos. Ela, impulsiva, casual e corajosa. Ele, medroso e quebrável, mas que mantém um que de proteção ao próprio orgulho ferido de macho alfa. É uma inversão de papéis. Homem e mulher. Aqui também é uma crítica aos terroristas-ditadores, que pelo poder e violência, dominam obedientes “escravos” e condescendentes locais à luz da religião muçulmana, que oferecem seus filhos à “causa”.
Nós não criamos vínculos, afeições e afinidades com o casal protagonista. E mais “Submersão” cava inocência atrás de inocência. A salvação do “Pai Nosso”; a amizade instantânea com o médico em redenção (que conta todos os segredos sem esconder nenhum – como a injeção de drogas a homens-bombas para “não pensar”); a condição “deplorável” do povo (“A Unicef promete muito e faz pouco pelas crianças”, diz-se); pesadelos; câmeras lentas; apedrejamento de uma terra sem lei; a moral ocidental; a crueldade “Godzilla”; a conversão ao Islã e o confronto “herege de não respeitar o Alcorão”; tudo é simplista demais, afundando ladeira abaixo a total falta de cuidados com a inteligência do espectador. Exibido no Festival de Cinema de Toronto em 2017.