Uma Legião Urbana Fora do Tom
Por Fabricio Duque
“E quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração”, o trecho da música “Eduardo e Mônica” pode ser um indicativo analítico do tema escolhido pelo diretor Antonio Carlos Fontoura (de “A Rainha Diaba”, “Loki”, “No Meio da Rua”), com roteiro de Marcos Bernstein (de “Meu Pé de Laranja Lima”). A escolha configura-se arriscada e audaciosoa, porque se retrata a época datada dos anos oitenta, representada pela figura do poeta musical Renato Russo, “líder” da banda de Brasília, Legião Urbana. Para isso, o filme necessitava buscar a memória sentimental (e afetiva) de cada um de nós, pelo menos os que vivenciaram um tempo que não corria, que se aguardava o próximo disco (vinil) e que o ouvia inteiramente com a capa no colo deitado no sofá. É um filme nostálgico, mas não pela estrutura e sim pelo próprio gatilho comum do tema. As estrofes “Compaixão é fortaleza” e “Até bem pouco tempo atrás poderíamos mudar o mundo, quem roubar nossa coragem?”, além de inúmeras outras, traduzem que a letra está extremamente atual, porém a intenção à revolução perde-se nos movimentos “facebookianos”. É inegável querer romancear os acontecimentos passados na biografia de Renato Russo (porque há a família, os fãs e a aura de gênio letrista) que procurava algum sentido nos sentimentos da alma humana. Escreveu sobre política, comportamento social, amizade, amor, família. Um típico pensador contemporâneo. A sua história atinge aos jovens incompreendidos de agora, até porque a confusão sobre todas as coisas faz parte intrinsecamente do período juvenil. O filme resolveu abordar a juventude do líder da Legião Urbana até a vinda ao Rio de Janeiro para o primeiro show no Circo Voador. A narrativa transpassa atmosfera de novela, por causa da estrutura característica, básica e linear, e fica mais explícita quando detectamos os diálogos interpretativos teatrais, encenados, didáticos, afetados, não realistas e artificiais, como se os atores estivessem lendo as falas. É uma pena porque foi escalado um ator à altura, Thiago Mendonça é Renato Russo, nos modos e na aparência. Acredito sim ser muita responsabilidade ao diretor e ao ator principal por se evocar um tema desta magnitude. É uma faca de dois gumes. “O Jim (Morrison) sabe o segredo do rock”, diz-se. São pontuadas frases de efeito entre os alucinantes, arrepiantes e estonteantes momentos das apresentações musicais. Inicialmente, o produtor Luiz Fernando Borges queria fazer um documentário sobre o músico em questão aqui, mas o diretor Antonio Carlos da Fontoura forneceu a ideia de transformá-lo em um longa de ficção. Digressionando, (quase) sem querer julgar o querer alheio, talvez, um documentário fosse mais “verdadeiro” com os fãs. É que parece uma história moldada para família. Como por exemplo, a trama do filme “some” com o suposto namoradinho de “Rei-na-to”. Ou permite que os pais sejam mais alienados e sem controle do que realmente são (visto que na realidade o título original era Religião Urbana, mas a mãe do cantor afirmou que Renato Russo odiaria a ideia porque não gostava da veneração “meio religiosa” que existia). Abrindo um parênteses, o título “Somos Tão Jovens” veio do núcleo materno. O tom de nostalgia busca a ingenuidade proposital, mas escorrega no amadorismo. O filme soa pretensioso por tentar incluir elementos demais de uma só vez, buscando a cumplicidade do público fã. Atinge-se pela música e se esquece do contexto cinematográfico. “Se você pensa que é feio, não é punk”, diz-se. A narrativa caminha pelo fácil, palatável e sem muitos conflitos (quando há, são resolvidos de forma rápida). Renato era um gênio (e continua sendo nas músicas), mas também era mimado, arrogante, prepotente, parecido com os jovens de hoje, que sofrem calados cada um a seu modo, deixam o cabelo crescer (a barba também) e realizam auto revolução solitária, como trovadores atrasados e estranhos na própria existência. Mas nem de contras vive o longa-metragem. Encontramos momentos deliciosos. “A promiscuidade das bandas de Brasília”, diz-se sobre o troca-troca de músicos, como por exemplo, e há muitos outros (é só garimpar). O filme inicia-se por colagens e termina com cenas reais. Concluindo, um roteirista fantástico, um diretor que fez “A Rainha Diaba”, um ator escolhido à dedo, junto com a melhor amiga Aninha, a atriz Laila Zaid, com estúdio e divulgação da Fox Filmes, não sei encontrar o porquê do resultado não satisfatório. Como disse, uma pena!