Por Fabricio Duque
A documentarista Theresa Jessouroun (de “Coração do Samba”), apesar do seu jeito calmo e fala doce, “nocauteia” o espectador pela realidade visual, mostrando a barbárie visceral das execuções em chacinas (por fotos – sem pudores de registro da violência e ou câmeras próximas – como exemplo, o resgate dos corpos), com o objetivo de utilizar imagens chocantes para denunciar o “abuso de poder dos policiais em comunidades carentes” e alertar que os “desmandos” continuam a acontecer mesmo depois de inúmeros acontecimentos trágicos. Definitivamente, “À Queima Roupa” é um filme para quem tem “estômago”. Incomoda, confronta e mitiga toda e qualquer zona de conforto que construímos como defesa “fantasiosa” a fim de “aguentarmos” a “maldade intrinsecamente humana”. A narrativa usa e abusa de imagens de arquivos, incluindo de canais de televisão e de processos policiais; reconstituições; entrevistas com sobreviventes, moradores, superiores da Polícia Militar, delatores (X9 – histórias e mais histórias completas em quase um extremo close-up), Governador e Vice da época, Leonel Brizola e Nilo Baptista. Em hipótese nenhuma, apresenta-se como um produto palatável. Não há suavizações, assim como as fotografias da internacional World Press Photo. Ao contrário. O espectador é levado a investigações sem omissões das provas, despertando a “famosa” curiosidade mórbida. Os “assassinados” são expostos em tela grande, buscando a documentação para o não esquecimento e ou no pior, fazer parte das estatísticas. Ninguém sai imune de um filme como esse. Inevitável não referenciar ao Jornalismo americano dos anos cinquenta, chamado de sensacionalista. Pois é, “À Queima Roupa” bate na tecla de que se deve “mostrar tudo” para que o questionamento aconteça, criando um limite entre dois mundos. Do consumo mórbido e da denúncia documentada. Há a corrupção exacerbada; o “espólio de guerra”; informantes por dinheiro (“o preço é alto”); há “acerto de contas”; raiva catártica; “processo de indenização sem ser assinado pelo Juiz em oito anos”; de “nunca conseguirem chegar aos mandantes”; “monstros”, que “herdaram bem da ditadura”; “auto de resistência forjado”; a de que “Cada vida valia um fuzil”, entre ações “horripilantes”. “Eles arrancavam meus sonhos e minha vontade de viver”, diz uma mãe que perdeu seu filho. “insubordinação e desafio”, palavras que podem definir tanto o material abordado, quanto a forma que a diretora “correu atrás” com o intuito de “eternizar” acontecimentos. Theresa Jessouroun, corajosa, “insubordinada”, incisiva, munida de estatísticas e fatos, “desafia” o sistema e a Polícia do Rio de Janeiro neste documentário investigativo, partindo da Chacina de Vigário Geral de 1993. Um dos pontos marcantes é a unilateralidade do lado oposto da Polícia, que é “bombardeada” com fatos, estatísticas, depoimentos, denúncias e por informantes do próprio sistema de segurança. O espectador sai “horripilantemente” incomodado e com medo, “parecendo” que acabou de assistir um filme de terror dos mais realistas e “trash”. O discurso é importante, necessário e obrigatório para que se possa mudar a “banda podre”, contudo o filme “apela” a um excesso da literalidade visceral (cérebros, sangue, mutilações), indicando muito mais sensacionalismo de um jornalismo “sangue” que uma possível repetição violenta dos fatos em si. Sem as imagens chocantes, o documentário já mostra totalmente seu valor.