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Quando o Galo Cantar Pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe

A metáfora bíblica de indivíduos renegados

Por Fabricio Duque

Quando o Galo Cantar Pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe

“Quando o Galo Cantar Pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe”, inspirado livremente na frase de Clarice Lispector e “nos vizinhos de fundo”, é dirigido pelo estreante, em um longa-metragem, Aaron Salles Torres, que já foi assistente de direção nos episódios do programa e no filme “Vai Que Cola”. A frase da escritora talvez seja baseada na passagem bíblica da Negação de Pedro, episódio no qual Pedro negou por três vezes, antes de cantar o galo, conhecer Jesus, descrito em todos os quatro Evangelhos do Novo Testamento.

A narrativa busca a metáfora a fim de exteriorizar a psicopatia que ronda os personagens. Suas loucuras, suas culpas e seus ressentimentos desencadeiam a agressividade intolerante das ações, reações e dos comportamentos perante a sociedade. Nós somos aprisionados no universo claustrofóbico, escuro, sombrio, “fracassado” e co-dependente de uma retro-alimentação idiossincrática limítrofe, que reverbera sofrimentos “não virtuosos”, de uma família que vive como “zeladora” de um prédio em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro. O pai Guilherme (o ator Tião Ribas D’Avila), um “inútil”, “moribundo” e “sufocado sem ar”. O filho Inácio (o ator Fernando Alves Pinto), um ser “aparvalhado”, esquizofrênico funcional que trabalha como porteiro. E a mãe Zaira (a atriz Catarina Abdalla – que está irretocável encenando com impecável maestria), uma cruel, sádica, malvada, reclamona, mesquinha, realista, sem esperança e expectativas, rabugenta, preconceituosa e intragável matriarca, que insulta e espalha sua frustração em seus próximos, nutrindo mais amor e carinho por uma “galinha – bicho de estimação” que por eles. Não é um galo. A “galinha” da mãe é traz todos de volta à realidade das contas a pagar. “Vamos conviver em paz”, diz o filho.

“Quando o Galo Cantar Pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe” teatraliza seus diálogos de interpretações alteradas, histéricas, catárticas e histriônicas com os sons-ruídos, de dentro para fora, potencializando a loucura em medo iminente e nas obsessões deturpadas de Inácio por objetos de desejo. O espectador dá-se conta que passeia pela mente (e suas imagens desfocadas) de seu protagonista, que passa a ser o alicerce da família depois que seu pai adoece e precisa sair do emprego como zelador, sem conseguir sustentar a casa.

O tom de caminha na corda bamba entre o amor e ódio. A potência da raiva contida e guardada. A relação com sua mãe enerva Inácio, o irritando e o levando a perder completamente a razão. Contudo, esta condução encena demais a trama em uma atmosfera forçada e fora de emoção. É uma fragilidade de sua edição, que conjuga momentos soltos, como uma tragédia com a naturalidade da vida que segue, enaltecido por uma propaganda de Fanta Frozen do McDonalds em um painel luminoso de um ponto de ônibus próximo de um hospital. Inácio “liberta” a própria obsessão “covarde” pelo voyeurismo, pelas perseguições e pelas invasões espreitadas de privacidade, domicílios e carros, acompanhadas por ilicitudes e observações estendidas de câmeras de segurança. Ele projeta o querer, preferindo o platonismo que a investida, porque sabe que é uma fantasia.

“Quando o Galo Cantar Pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe” infere a “Psicose”, de Alfred Hitchcock, quando imprime à mãe uma fugidia resiliência explícita ao “dar mole ao segurança de rua por não estar condenada de ter um marido na vala” e um filho “lixo”, que desde pequeno “precisava de atenção o tempo inteiro”. Eles comem à mesa enquanto na televisão passa dois curtas-metragens: “Pietro”, de Hsu Chien; e “Odara Oxum”, do próprio diretor que realizou em 2006.

A trama nos envolve em gatilhos comuns, como a cueca “Hugo Boss” e ou a conversa ouvida de longe de duas assistentes sociais, e em liberdades poéticas da criação, quando a “vítima” não percebe um “alguém” em sua casa e “entrega” todas as “vontades”. O personagem é ajudado incondicionalmente pelo roteiro, o salvando de ser pego de sua “decadência”, “depravação” e “pederastia”, entre embates físicos, silêncios, gritos e “curiosidades mórbidas com relação ao que é privativo, privado e íntimo”. Mas é no final que a trama explica ao público o porquê de todas as anteriores escolhas-interferências narrativas. Com um flashback, somos apresentados à versão do que realmente aconteceu. Causa surpresa? Não. A história já tinha se perdido no caminho. O filme finaliza com a música “Perigos Razões”, de Ney Matogrosso.

A negação de Pedro. «Disse-lhe Pedro: Ainda que sejas para todos uma pedra de tropeço, nunca o serás para mim. Declarou-lhe Jesus: Em verdade te digo que esta noite, antes de cantar o galo, três vezes me negarás. Replicou-lhe Pedro: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. Todos os discípulos disseram o mesmo.» (Mateus 26:33-35)

«Prendendo-o, eles o levaram e introduziram na casa do sumo sacerdote; e Pedro ia seguindo de longe. Eles, tendo-se acendido fogo no meio do pátio, sentaram-se, e Pedro sentou-se no meio deles. Uma criada, vendo-o sentado ao lume, o encarou e disse: Este também estava com ele. Mas Pedro negou, dizendo: Não o conheço, mulher.» (Lucas 22:54-57)

«e vendo-o a criada, tornou a dizer aos que ali estavam: Este é um deles. Mas de novo o negou.» (Marcos 14:69-70)

«Logo depois se aproximaram de Pedro os que ali estavam e disseram-lhe: Também tu és certamente um deles, pois até a tua fala o revela. Então começou a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem.» (Mateus 26:73-75)

«Logo, estando ele ainda a falar, cantou o galo. Virando-se o Senhor, olhou para Pedro. Pedro lembrou-se da palavra do Senhor, como lhe havia dito: Hoje antes de cantar o galo, três vezes me negarás. E saindo para fora, chorou amargamente.» (Lucas 22:60-62).

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