Pendular
Uma experiência do movimento oscilatório do casamento
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Berlim 2017
“Pendular” nasceu para mim muito antes de sua exibição oficial. Foi em 2014, durante uma recepção de boas-vindas do Consulado Brasileiro na capital alemão, que recebi de sua diretora, Julia Murat (de “Histórias que Só Existem Quando Lembradas”), um release-esboço (já muito bem desenvolvido) do projeto. Então, com um misto de curiosidade, afetividade e ansiedade, pude conferir a estreia mundial no Festival de Berlim 2017. Seu segundo longa-metragem, em parceria o roteirista com seu marido Matias Mariani (de “narrativa simples, pequena, singela”, que “ganha complexidade com a mistura das linguagens cinema-escultura-dança”), é sobre a metáfora do tempo que atravessa os relacionamentos. “Pendular” é uma ficção biográfica deste casal de realizadores. É sobre a rotina do amor (“sem psicologismos” que busca “uma linguagem seca, sem choros e sem gritos” com sentimentos “não frios e não frívolos”) e seus limites (que demarca a divisão dos espaços por uma fita no chão). É muito mais que um filme de dança contemporânea e ou de artes plásticas. É a construção de uma realidade afetiva de aceitar condescendente o outro em suas idiossincrasias, vontades, liberdades, essências, particularidades, extremismos, memórias e quereres. Não é submissão, e sim uma adaptação mútua, co-dependente e co-participativa. Aqui, seus cenários abertos sem portas de um galpão moradia-trabalho, ex-hospício-prisão, convivem com a intimidade do casamento, à moda estética de um “Dogville”, de Lars Von Trier, menos teatralizada e mais existencialista na credibilidade narrativa, contada por partes capítulos-momentos.
“Pendular” transpassa fases por sensações consequências. A chegada de Alice desmorona o equilíbrio, que estava quieto demais há muito tempo. Nós somos mergulhados em respostas. Em reações de instantes orgânicos, de descoberta do corpo, de agressividade e de sonhos sexuais com um etíope. “Foda-se a coerência”, frase gritada que reverbera ecos.
“Pendular” é um exercício metafísico. Uma fábula catártica do despertar. Uma experimentação transcendental de confronto com a própria apatia resignada do comodismo vivido e recorrente. Um jogo de videogame antigo sem a atmosfera da ficção científica. É uma sucessão de detalhes, de formas e desencadeamentos, para que o público possa montar o quebra-cabeça da trama-história que se descortina. Sua condução é espontânea, naturalista e pernóstica. De picardias cúmplices. De implicâncias aceitáveis e permitidas, que fornecem o tempero perspicaz, sagaz e espirituoso do dia-a-dia. São dois lados de casal. Um precisa do silêncio para criar a dança. O outro do barulho para construir instalações artísticas. Eles buscam o entendimento e a compreensão da diferenças. Eles olham-se, descobrem o “projeto linha-ponto-final”, vivem em um “lugar prédio de artistas” e sabem que estão juntos apesar de tão proximamente separados.
“É muito estranho achar um gato preto no quarto escuro, principalmente quando ele não está lá”, exemplifica-se com um ditado chinês a parte dois, O ímpeto. Nesta, o simbolismo do espaço físico necessita-se de ampliação. Um aprisionamento é semeado. Uma “sessão territorial” é concedida. A entrega ao trabalho, a ansiedade, a loucura (imaginação ou projeção), a mãe na plateia, a festa, o sexo anal sem tabus, o futebol, a camisa hipster indie film, a hesitação da perfeição criativa “pouco figurativa”, tudo representa a liberdade do existir, a vanguarda do que se encontra ao redor e o “cabaço da velha virgem”.
“Pendular” é realista e autocrítico por “rememorar as bases”. Por apresentar a intimidade do “sexo animal”. Por questionar as diferenças sobre ter ou não filhos. Na terceira parte é a ação que conduz seus caminhos. Sair da zona de conforto. Desbravar mistérios, silêncios, comodismos, inseguranças, medos, decisões. Escolhe-se uma “linha”. A poesia da dança. A “contaminação” exagerada. Potencializa-se a verdade com a crítica de “informações demais para a dança”. Enxerga-se a “ruína”. O pós-apocalipse. Padece-se do “mal do eu que dança”. “É bonito voltar no tempo e fazer passado”, poetiza-se lembrando dos “ossos que cresciam demais do pai”, enquanto Joy Division com sua música “Love Will Tear Us Apart” rasga a cena e nós somos imersos em um sentimento punk-rock-depressivo.
Aqui, é o conflito da rotina. De se estar perto todo o tempo. Da não possibilidade de “descanso”, da ausência do outro e do tempo individualizado de cada um. Eles vivenciam a plenitude e completude da presença onipresente. Assim, logicamente, loucuras são compartilhadas, expostas e inseridas. É sobre a sobrevivência do casamento. Do formato padronizado e criado pela sociedade. O casal busca quebrar paradigmas e inverter papéis. A mulher domina com o “fio terra” o homem. O ser gerado visto como um alienígena, que corrói a tranqüilidade e que se torna um fardo de mais uma boca para sustentar. Questiona-se se talvez um aborto seja a solução. É a metáfora da “vespa com a lagarta”. “Imitar não é entender”, alfineta-se na parte da contração. O ato.
Aos poucos eles morrem em suas dúvidas e egoísmos ininteligíveis criando para si um universo futurista da própria existência solitária, frágil e disfuncional. Nós sentimos a “proximidade do fim, com um incômodo sempre presente”. Em cartas a um jovem poeta, Rainer Maria Rilke aconselhava: “Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usuais e demasiado comuns”. “Pendular” é “também uma exposição de escultura e uma performance de dance”. E quase impossível ao espectador não querer estar na “escultura disco” chamada de “Pendular”, de Marina Kosovski.