Crítica: Os Pássaros Estão Distraídos

os-passaros-estao-distraidos-poster

O Naturalismo de Uma Madonna Familiar

Por Fabricio Duque

Como já foi dito e reiterado nas analises críticas do nosso site, a tendência do cinema é a de abraçar o hibridismo, de estreitar os limites entre ficção, realidade e documentário. Em “Os Pássaros Estão Distraídos”, de Diogo Oliveira (um dos atores – até porque é o retrato pessoal de sua família) e João Vieira Torres, filme este que integra a mostra competitiva da VIII Semana dos Realizadores 2016, o universo ambientado é o cotidiano de micro-ações, ora em elipses, ora continuadas, ora fragmentadas, a fim de transmitir a metáfora repetitiva da relação temporal de pessoas comuns que vivenciam a espontaneidade existencial do próprios dia-a-dia.

Aqui, a narrativa constrói a representação metafísica sensorial interativa, quando roda a câmera, passeando por objetos-detalhes da casa para que assim possa adentrar nas vidas de ações, idiossincrasias coletadas, costumes, dramas cúmplices, carências compartilhadas e falsas liberdades solitárias do ser e do agir.

José Mauro está nervoso com a mudança que se aproxima; ele e Hilda mudarão para uma casa onde tudo será novo depois de 35 anos juntos. Hilda não sabe o que fazer dos objetos que restarão dessa casa que nunca foi realmente sua e de onde José Mauro não sai há 20 anos. Tudo que fica será encaixotado e os colchões velhos serão jogados fora.

O espectador é uma “cobaia voyeur” deste experimento intimista, estético, e demasiadamente expositivo, que estende percepções visuais pela extensão técnica pela transposição de imagens e sons vazados, tudo para potencializar a repetição imagética e personificada de seus protagonistas aprisionados dentro do apartamento, dos próprios quereres individuais e do comportamento solidário e respeitoso com o outro ser próximo social. A televisão é o passatempo sólido (e o som, o mais importante). A diversão resignada e cômoda do pensar (visto que já a recebem pronta). Eles reagem de forma tátil à vibração alienante apresentada. Deitados e inertes. É nesta tela de reproduções de imagens alheias (inferimos imediatamente a “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury), assistindo ao filme “Flashdance”, de Adrian Lyne; ao programa Domingão do Faustão; a um filme desconhecido (para eles) sobre “kung-fu shaolin”.

A narrativa busca a liberdade naturalista do próprio momento-conceito por causa das cenas em câmera estática e sem cortes (que às vezes “falha” – como se estivéssemos assistindo um programa Big Brother), apesar do anti-naturalismo dos diálogos, “chegadas” à cozinha e registros de trabalhadores de uma obra, por exemplo, que pode sim ser relevado, porque para não-atores a presença de alguém os filmando é desconfortável e precisa ser encenada, deixando o natural à projeção da criação do natural. Esta família conversa, mais por ligações telefônicas, e sempre com as mesmas questões e perguntas: “Dor na perna? É falta de ginástica”; “Dor de barriga? Coma mamão”. Eles entendem um ao outro. Riem tímidos por causa da câmera. E aos poucos, começam a se comportar inerentemente. O elemento de tempo-espaço, amador e caseiro, é o condutor, aproximando-se do gênero de uma ficção-científica, de realismo fantástico e de verdade visual etérea.

São instantes, fragmentos, contemplações, memórias revisitadas e ensaiadas como presente absoluto, e sons exagerados e “gritados”, entre músicas clássica (quase uma fantasia opereta); “Like a player”, da Madonna (que é impossível ao público não pensar sobre direitos autorais e questionar a exposição máxima de seu diretor-ator em dançar assumidamente como um adulto que redescobre o passado adolescente); discos (destaque ao “Xou da Xuxa”); corujas arregaladas; poster de “Quero ser John Malkovich”; camisa do filme “Trainspotting”, tudo nos leva a um universo cinematográfico e cinéfilo referencial em uma aparência de teatro realista à moda de Chantal Akerman e seu “Não é um filme caseiro”; de “Laura”, de Felipe Barbosa; de “Os Dias com Ele”, de Maria Clara escobar; “O Futebol”, de Sergio Oksman; a nova estética montadora do cineasta Jean-Luc Godard; e tantos outros.

“Os Pássaros Estão Distraídos” imerge o público em um universo aflitivo de vidas co-dependentes que se retro-alimentam dos acasos impositivos do outro (“Um homem deste tamanho com medo de barata?”, “Tem que maneirar no sal, senão vai todo mundo parar no hospital”, o “esporro” simpático à cozinheira por causa do “sal puro”, a quantidade de açúcar no mamão) que estão envolvidos no processo de uma mudança de apartamento, e que a câmera que sentimos, de super exposição, busca uma pseudo-espontaneidade que pretende também nos aprisionar. Assim entramos na atmosfera deles, e como fofoqueiros, saímos da sessão comentando e perguntando sobre a “dor na perna” de cada um que encontramos pelo caminho póstumo. Concluindo, um filme que corrobora sua veia experimental artística e que só por isso já vale sua investida em assistir, mesmo sabendo que há muito mais camadas em uma simples transcrição de instantes desses documentos familiares. Recomendado.

https://youtu.be/Jb3RPOSTLkA

3 Nota do Crítico 5 1

Pix Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta