Onde Vivem os Monstros
Orgânicas existências dos monstros nossos de cada dia
Por Fabricio Duque
Em “Onde Vivem os Monstros”, o diretor Spike Jonze (ouça AQUI o podcast sobre o realizador) cria a metáfora da solidão moderna com recorrentes referências da história dentro da trama e aprisiona as fragilidades de seus personagens em casulos criados pelos mesmos, concretizando o sentimento internalizado do lado animal, selvagem e instintivo de cada um. A crueldade é impulsionada pela hipocrisia do egocentrismo.
Há dois mundos (um dos humanos e o outro dos monstros) e eles entrelaçam-se. O seres-humanos são sombrios, enigmáticos, egoístas, mesquinhos e dependentes. As percepções (características subjetivas do que se infere do outro) de um mundo são transferidas (da sua família aos novos integrantes) ao outro de seres diferentes, incompreensivos e agressivos por inerência.
Aborda a trajetória de Max (Max Records), um garoto ‘dito’ travesso, que é mandado de castigo para seu quarto depois de desobedecer a mãe. Porém, a imaginação do menino está livre e o transporta para um reino desconhecido. Encantado, Max parte para a terra dos Monstros Selvagens, onde Max é o rei.
A câmera capta o desespero real da carência inter-pessoal e o sentimento de abandono. E mostra que os mundos, mesmo não iguais, recorrem aos mesmos problemas, frustrações, medos e anseios. “Eu não acho que a loucura possa ser eliminada”, diz um monstro quando divaga o questionamento. “Ficarei no meu próprio lado, eu mesmo”, diz. Os outros necessitam do bem estar de outros para sentirem-se satisfeitos e felizes. Max percebe que em qualquer lugar existirão pessoas solitárias e defensivas.
Os monstros quebram as ‘moradias’ dos outros. Quando o rei é coroado, as relações transformam-se em um respeito quase profissional. “Ficarei com todos os servos”, diz-se querendo a compra dos amigos imaginários pelo dinheiro da imposição das vontades. O questionamento da solidão sempre volta à tona. O rei libera a selvageria pela violência da diversão. Cria guerras e confrontos, machucando a alma e o corpo. “Ei rei, é assim que você governa o seu reino? Com todos lutando?”, diz-se.
As questões existenciais de “Onde Vivem os Monstros” são humanizadas principalmente pela música de Karen O and The Kids, indicada ao Globo de Ouro de 2010 como melhor trilha sonora (parecendo o grupo islandês Sigur Rós) que fornece ao ambiente uma viagem ao interior de cada um, sem o sensacionalismo ou a repetição do óbvio, retratando as rachaduras e quereres de uma alma real.
“Como alguém como nós se preocupa com a coisa pequena que é o sol”, diz-se. Max, então, idealiza e explícita a ideia de construir um mundo perfeito no universo dos monstros, com fortalezas e destruições dos cérebros dos invasores e ou não convidados. “Eu gosto do seu cérebro, Max”, diz-se e pergunta-se “E como saberemos qual cérebro deve ser explodido?”.
A fotografia de “Onde Vivem os Monstros”, com luz certa da realidade e da computação gráfica é espetacular e demostra o desejo de uma felicidade que está resignada no sofrimento. Os ângulos e enquadramentos participam como personagens, interagindo com o espectador e despertando uma reflexão de autoconhecimento sem o apelo da filosofia auto-ajuda.
Filmado na Austrália, com produção de Tom Hanks, o longa é adaptado do livro ‘“Onde Vivem os Monstros”, publicado em 1963 por Maurice Sendak. Ao longo de 45 anos, vendeu mais de 19 milhões de exemplares mundialmente.
A conclusão é que vale muito a pena ser visto. É mais do que excelente. A manipulação das metáforas referenciais em todos os instantes. Há o dúbio. As cenas mostram várias interpretações prováveis e defendidas. A história por si já é interessante e auto explicativa. Porém o que se absorve com inferências e vivências pessoais é o que faz o filme ser o que é: fantástico.
1 Comentário para "Onde Vivem os Monstros"
Já tinha lido sobre esse filme, mas estava um pouco receosa de locar. Como você está dando cotação "mais que excelente", vou locar e pelo post acho que não vou me arrepender. Parabéns pelo blog! 😉