O Silêncio do Céu
A aceitação da Passividade
Por Fabricio Duque
No meio cinematográfico, há poucos filmes que arrebatam o espectador logo de imediato. “O Silêncio do Céu” é definitivamente um deles. Talvez pela habilidade de seu diretor, o brasileiro Marco Dutra (que faz uma participação especial como ator, interpretando em uma agência, no melhor estilo Alfred Hitchcock), que já nos brindou com outros imperdíveis longas-metragens (“Trabalhar Cansa”, “Quando Eu Era Vivo”). Talvez pela genialidade da obra homônima original de Sergio Bizzio, em que o filme foi baseado. Talvez por sua adaptação em um roteiro com mais duas mãos: Lucia Puenzo e Caetano Gotardo.
Talvez pelo elenco de interpretação naturalista-espontânea, que integra o astro argentino Leonardo Sbaraglia na pele do protagonista Mario; a atriz Carolina Dieckmann; e Chino Dárin (filho de Ricardo Dárin). E ou talvez pelo hibridismo equilibrado da ambiência do novo cinema brasileiro com o da Argentina. Talvez todos esses elementos juntos possam explicar e ou fornecer uma explicação desta maestria.
“O Silêncio do Céu”, Adaptado do livro “Era El Cielo”, de Sergio Bizzio, conduz seu espectador por um classicismo narrativo, desenvolvendo sua trama com a conceitual sutileza dos detalhes-pistas, como o som ruído de perigo iminente vindo de uma chaleira pestes a explodir. É uma experiência metafísica sensorial. De dentro para fora. Que nos faz sentir desde a primeira cena, a do estupro e inferir a “Irreversível”, de Gaspar Noé, e a “Acusados”, de Jonathan Kaplan.
O filme é um estudo sobre a paranoia, que a personagem agredida “não sabe quando começou a sentir medo”. É uma “conversa” com outros filmes, “Aquarius”, de Kléber Mendonça Filho, com um que de Pedro Almodóvar, por sua narrativa estrutural de novas visões, e pela estética angular de “Relatos Selvagens”, de Damián Szifron, com “O Segredo dos Seus Olhos”, de Juan José Campanella. É uma metáfora, um paralelo com os urbanos medos mais reais realçados em nossa psique humana. Nós vivemos em uma iminente sensação de perigo.
“O Silêncio do Céu” é também cognitivo, de confronto às deturpadas e disfuncionais emoções do sentir, como por exemplo, o prazer sexual voyeur do marido ao assistir sua mulher sendo violentada, sabendo que sua obrigação-necessidade propósito é protegê-la. Salvá-la da tragédia e da submissão criminosa. É um que de covardia. Uma apatia resignada. Uma aceitação silenciosa de não precisar lidar com as conseqüências e para manter as aparências em uma geografia comum de um bairro de família, que pode ser em qualquer lugar.
Mas o conflito, por uma inerte decisão, acontece e de forma inevitável. Guardar esse segredo causa fraqueza, corroendo com culpa e frustração um faltoso orgulho. Ao passar do tempo, a própria mente estimula uma desestruturação em flashes desesperados. Tanto do agredido, quanto do observador. Olhares e estímulos pululam lembranças do trauma ocorrido. Todo o tempo, medos são alarmados, reais, constantes. Para ele, que expressa tudo pelos olhos, a figura do macho ferido, para ela, uma vulnerável invasão. Não consentida. A um corpo que aos machistas serve apenas de atender primitivas vontades sexuais. A pós-solução é disfarçar e negar ou respeitar o medo?
Diana (Carolina Dieckmann) carrega consigo um grande trauma: ela foi vítima de um estupro dentro de sua própria residência. Entretanto, ele prefere esconder o caso e não contar para ninguém. Mario (Leonardo Sbaraglia), seu marido, também tem seus próprios segredos – mistérios que, ocultos, estão matando aos poucos a relação do casal.
A narrativa nos conduz por pontos de vistas e perspectivas, à moda de “Elefante”, de Gus van Sant, que montam vestígios-peças de um quebra-cabeça. É sobre “cactos, únicos que se movem”, sobre retroceder, sobre “se movimentar para trás”. Sim, é um filme movimento. De acordar o inanimado estágio que as personagens se encontram. De questionar pelo tratamento de choque os medos mais internos, que mais preservam àqueles que os vivenciam.
É um filme que “pula no vazio”. De seres solitários por opção, que se “tornam invisíveis” e inofensivos aos outros. De novo, para que essa inércia seja transmutada, uma lista de “todas as fobias do mundo” é criada. O confronto radical e terapêutico. Não mais empurrar a poeira para debaixo do tapete. Toda e qualquer ajuda é bem-vinda, até mesmo inventar que “é um roteiro”.
“O Silêncio do Céu” é uma obra-sinestesia (visto que sentimos os dramas) de pulsantes adjetivos definidores. Aborda a compreensão, as fragilidades, e sempre o confronto. De um lado, a violência e a força física do algoz, do outro, estatização da vítima. Força-se contar a verdade. Não mais encobertar o segredo. A verbalizar o silêncio da vergonha, gerando a libertação psicológica, as marcas expostas. É um filme elegante (com sua naturalidade jazzista e enóloga, equilibrado, sem barrigas, de ritmo cadenciado, de metáfora em livros. Um domínio absurdo da direção. Um filme que “não trabalha com plantas de plástico”. Que cria o suspense típico de um Brian de Palma com Roman Polanski. Que vai direto ao ponto, mitigando toda e qualquer possibilidade existente de clichês e gatilhos comuns.
Logicamente, nós esperamos o final a La “Dogville”, de Lars Von Trier. Queremos sangue, vingança. Arquitetamos junto com o personagem suas tensões de pressionar o “assassino”. De salvar sua honra. De expurgar a raiva. De imaginar o que o personagem faria.
É um Thriller psicológico à moda de “Viúva Sempre às Quintas”, de Marcelo Piñeyro. Por uma narração que diz do dentro para fora. Eles cantam “o que é felicidade meu amor”. E então, os pontos de vista encontram-se, salientando a cumplicidade do seguir. Como uma tempestade que passa e que deixa rastros e sujeira para limpar. Com ou sem “Corcovado”. Exibido no 44º Festival de Cinema de Gramado.