O Primeiro Homem
Sonhos, espaços e abismos
Por Fabricio Duque
Damien Chazelle, após ganhar atenção e o mundo com “Whiplash – Em Busca da Perfeição” e “La La Land – Cantando Estações”, aborda agora em seu mais recente filme, “O Primeiro Homem”, exibido no Festival de Veneza deste ano, a história do primeiro homem americano a pisar na Lua, Neil Alden Armstrong, encarnado por Ryan Gosling, um ator canadense. O projeto seria inicialmente realizado por Clint Eastwood. O episódio abordado aconteceu em 1969, e há quem ainda não acredite na façanha histórica, lançando teorias conspiratórias de que tudo não passou de uma produção hollywoodiana, encabeçado pelo diretor Stanley Kubrick, que “deixou pistas” confessionais em seu filme “O Iluminado”, como, por exemplo, o número do quarto 237, a distância da Terra ao universo lunar, e ou a jaqueta Apollo 11. O próprio filme incita uma desconfiança pela urgência competitiva e patriota de vencer os soviéticos na corrida espacial.
“Primeiro Homem” traz outra característica principal de Chazelle: a corroboração de sua cinefilia, que homenageia icônicos filmes e diretores, que abraçam referências a “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (e a valsa no Universo); “Gravidade”, de Alfonso Cuarón; “Apollo 13 – Do Desastre ao Triunfo”, de Ron Howard; “Árvore da Vida”, de Terrence Mallick, entre muitos. Tudo está ali, mas articulado e processado de um jeito único e particular, sem portanto fugir da clássica estrutura já padronizada do universo cinematográfico americano. Assim, sua narrativa embarca sem medos nos clichês sentimentais, nos gatilhos comuns de efeito, nas músicas que rasgam a cena e estimulação a superexposição da emoção humana, ainda que busque uma crítica humanizada dos medos, limitações e falhas da “maior nação do mundo”.
É também um filme que quer uma sinestesia imagética, por causar sensações físicas, quase como um simulador de um parque de diversões, bem à moda de “Dunkirk”, de Christopher Nolan, que também se inicia na experiência imersiva e subjetiva da ação personagem. Com ou sem câmera microscópica. É sobre a obsessão de um homem calado, pragmático (que representa todo e qualquer ser humano): a de “voar mais longe” (nos sonhos do livro “Viagem a Lua”, de Júlio Verne).
“O Primeiro Homem” repete tentativas e erros, até que um acaso da sorte ganhe seu final feliz. Não há spoilers. A própria história prova que o primeiro homem chegou sim a Lua. Mas o que o roteiro esquadrinha é os momentos e desafios até o resultado. É sobre a jornada-aventura de sacrifícios, dramas pessoais (a filha doente, por exemplo), testes e custos do astronauta norte-americano Neil para se tornar história e andar na Lua. Nós também embarcamos em uma intimidade sensorial, principalmente pela câmera próxima, quase colada (que aludem ao micro espaço de um foguete espacial) em flashes, cortes rápidos, procedimentos estendidos, equipamentos e engrenagens em close, muito parecidos com a edição de “Song to Song”, de Mallick. Este talvez embase a distância à emoção que sentimos. Como se estivéssemos sempre na superfície. Como um propósito do próprio personagem principal em esconder sentimentos. É sobre um novo começo.
“O Primeiro Homem” cria inúmeros factoides de dramatizar tragédias e lutos. Soa ingênuo e óbvio suas reviravoltas facilitadoras quando exacerba o tom sentimental, com suas lágrimas teatrais (de um olho só) de um choro forçado, em uma padronizada e contida interpretação, que revela mais a encenação que a espontaneidade da reação. É a conjugação da luta pela perfeição (de se chegar onde realmente se quer) de “Whiplash” com um “La La Land” do espaço. Busca-se mistificar o universo Nasa pela ilusão mágica da ficção, com seus alívios cômicos, brincando com “a sorte e a morte”, como crianças impulsivas em uma competição de escola com cartolina e fantasia na cabeça. É um filme menos sobre a ida a Lua e mais sobre o comportamento antropológico dos americanos: ser sempre os primeiros, famosos, renomados e nunca aceitar um fracasso, mesmo agindo descuidados, tomado decisões importantes “nas coxas”. Na Lua, dançam, hasteiam a bandeira americana para marcar território e se sentem meninos no silêncio total. Quase igual aos integrantes do seriado “Big Bang Theory”.
Por último, “O Primeiro Homem” também alfineta uma crítica por imagens reais televisivas que questionam a importância do homem ir a Lua se falta saúde e desenvolvimento na Terra. “Gastar para ir ao espaço?”, pergunta-se. O filme está longe de ser ruim, mas é comum em permanecer na zona de conforto, repetindo chavões e fórmulas prontas já aceitadas e palatáveis do grande público. Sim, é uma típica obra para concorrer ao Oscar do próximo ano. E tudo com um diretor que só tem 33 anos. A mesma idade de Cristo. E que desta vez não assina o roteiro, ficando à cargo de Josh Singer (de “Spotlight – Segredos Revelados”; “The Post – A Guerra Secreta”). O elenco ainda conta com Claire Foy, Jason Clarke, entre tantos outros.